CAPÍTULO 09 - O Crucial e a Inconclusividade

Na ciência, a hipótese é o marco até onde o homem conhece e a partir de onde ele supõe; são ficções da criatividade humana fundamentadas em observações, que enquanto não comprovadas cientificamente permanecem como hipóteses, porém, caso assim configurem viram teorias e então viram leis. No entanto, existem convicções que não precisam ser provadas, quando tanto uma como outra das possíveis hipóteses levam ao mesmo entendimento. Nesse raciocínio é verdadeiro afirmar que não estamos sós, a existência de Deus é óbvia, já que pelo pensamento espiritualista Sua presença é premissa da hipótese, e pelo pensamento cético-materialista sua existência é previsível como sendo o ser, a entidade, ou a criatura detentora de maior conhecimento, domínio e poder do universo.

Apesar de Sua importância Sua existência é irrelevante, pois aqui e agora diante de nosso previsível fim, o crucial reside na continuidade, ou não, da vida após a morte corpórea; porque sem a sobrevivência individual, marcada pela lembrança dos momentos vividos e dos sentimentos percebidos, nos igualamos a um ser unicelular que simplesmente deixa de sintetizar, inferiorizando nossa existência, como a de um pretenso deus. Sua existência é ulterior e sem sentido se não houver um encontro com Ele próprio, e como Deus nos é oculto na vida presente, o único momento dessa proximidade seria somente numa outra vida alheia ao nosso corpo efêmero.

Portanto, não questionemos a existência de Deus, ou de um Ser dotado de imensos poderes, pois tal personagem, inquestionavelmente real, existe. Verdadeiramente nos importa se Seu traçado cruzar nosso caminho de maneira a intervir em nosso destino, pois a existência de um deus inócuo, alheio e inalcançável é sem propósito, sem frutos, nem conseqüências. Agora, cabe questionar não mais Sua existência, mas a perspectiva de um encontro que sabidamente extrapola o mundo material.

Toda concepção teológica está fundamentada numa época em que o Sol ainda girava ao redor da Terra, presumindo ser ela o centro de tudo, não havendo como cogitar a possibilidade de outros planetas orbitarem estrelas da imensa galáxia. Mas a idéia do heliocentrismo e o entendimento gravitacional da Terra esférica modificaram a compreensão de nós mesmos perante o universo, desdobrando no entendimento de nossa minúscula participação no grande cosmo.

Ao homem antigo em sua distorcida visão, não cabia dissociação da existência de deuses poderosos com a idéia de que seriam capazes de resgatar a alma contendo nossas lembranças e nossos sentimentos individuais; a ocorrência de fenômenos sobrenaturais estava totalmente atrelada à vida do além. Mas o moderno pensamento de outros mundos interestelares abriu a perspectiva de conceber a existência de um poder sobrenatural, capaz de intencionalmente provocar a ocorrência de fenômenos inexplicáveis, sem que estejam necessariamente vinculados à idéia de reexistência na pós-morte.

Tal mudança de concepção passa pelo iluminismo que formulou equações para descrever o comportamento da matéria e seu entendimento através das leis de Sir Isaac Newton, alcançando seu ápice nas críticas teológicas de Nietzche. Foi uma alteração pendular do entendimento de Deus ao longo dos anos, partindo de uma total falta de compreensão das leis universais que usava a mão divina para explicar o incompreensível, até alcançar Sua sucumbência e o pensamento pretensioso de sermos um ápice de inteligência do universo. Mas a partir de Einstein e dos desdobramentos da Teoria da Relatividade o pêndulo retorna a sua origem, concebendo novamente a lógica de uma perspectiva espiritual advinda das dimensões previstas na Teoria das Cordas, que vislumbra âmbitos além do mundo tridimensional, permitindo-nos cogitar a existência de Deus e de lugares que extrapolam nossa imaginação.

Hoje, todo sobrenatural descrito sobre a Terra possui pelo menos duas versões para explicá-lo: a espiritualista e a materialista, não sendo possível mais além avançar. A concepção espiritualista credita a Deus a força de seu acontecimento, sendo emanada do plano espiritual ao qual estamos sujeitos após a vida corpórea; já a versão materialista, igualmente personifica um feitor poderoso, mas que vive na matéria e é igualmente mortal, sendo física a força que produz o extraordinário, e não nos aguarda para um possível reencontro decorrente da morte.

Tomemos como exemplo a pintura de Nossa Senhora de Guadalupe, nada é tão materialmente conclusivo sobre a coexistência de uma inteligência superior. Se a imagem é oriunda de seres carnais, mortais, que coabitam o universo em algum outro planeta, haveremos de reconhecer que tal civilização alcançou uma tecnologia alheia ao nosso conhecimento, pois a pintura no manto tem por atributo tecnológico não apenas a nanografia da imagem oculta em suas pupilas, mas principalmente a capacidade de se deslocar até nós através das estrelas. O manto de Guadalupe nos remete a hipótese materialista ao justificar o extraordinário dentro das possibilidades da matéria, cabendo ainda a segunda hipótese que admite o milagre na confecção da pintura, cuja força tem origem num plano espiritual, de onde habita a alma dos que não mais possuem corpos e que por correlação nos leva a crer em igual subsistência.

O sobrenatural é associado com (S)seres superiores pelo extraordinário que a história lhe atribui, e todo aquele que percebe estranhos fenômenos não questionará (S)sua existência como fonte capaz de promovê-los. Mas diante do mundo palpável e material, se é possível criar uma versão mesmo que estrambólica, da qual se justifique uma força intencionalmente atuante nos acontecimentos que não conseguimos explicar, não haveria por que dar mais crédito a outra versão, ainda mais mirabolante, que concebe um mundo invisível fora da matéria.

Esta foi a lógica que deu fôlego e força ao pensamento iluminista, onde a explicação mais simples se sobrepõe a mais complexa. Portanto, se na matéria encontramos fundamento para a ocorrência do sobrenatural, primeiro haveremos de considerar sua origem na própria matéria antes de cogitar as forças do além. Porém, este raciocínio simplista era válido no mundo puramente tridimensional, e toda sua lógica foi destituída a partir da Teoria das Cordas que reabriu perspectiva de um mundo além da matéria. De forma que como não temos elementos para definir com exclusividade a origem desse sobrenatural, o que permitiria questionar a hipótese espiritualista, ambas as versões permanecem vivas e apenas deveríamos priorizar a possibilidade mais tangível, sem menosprezar a opção imaterial, que apesar de preliminarmente utópica, desnuda conseqüências eternas sobre a nossa existência pós-corpórea.

Essa é a grande força da religião, o all in, onde se aposta tudo e que é muito mais do que se possa ter na Terra, pois diante da efemeridade da vida material e da perenidade da vida espiritual, a desproporção dos tempos de existência nos leva sempre a considerar a possibilidade de um reencontro com Deus, ainda que sujeitos ao Seu julgamento. Todas as religiões da Terra desfrutam desta comparação temporal, desde as mais antigas crenças não teísta, como o budismo e o hinduísmo, aos deuses do Olimpo, o princípio da perpetuidade arrasta multidões. Da mesma forma, a trilogia abraâmica considera a eternidade em uma versão mais coesa que a multiplicidade de deuses, pois a suposição de Deus onipotente descarta a presunção de uma disputa celestial e acolhe a premissa de Sua singularidade governando todo o sistema do céu à Terra. E a razão de tantas religiões para um único Deus está na própria diversidade cultural entre os povos do planeta, corroborada pelo sectarismo messiânico que se subdivide pelas suas discordâncias dogmáticas.

Distinta característica das religiões é a dúvida constante, a incerteza do que virá a partir da morte corpórea. Embora seus livros sagrados descrevam fantásticos milagres, o sobrenatural parece ter sido mais comum em sua época embrionária, ausente do tempo moderno. Existe um silêncio espiritual, às vezes quebrado por visões de alcance único, mas que se utilizam da premissa da eternidade para contagiar aos demais; fora disso, assistimos um mundo morno, sem acontecimentos prodigiosos. Porém, exceção cabe ao espiritismo, facção do cristianismo, que lida mais diretamente ao estado, condição e comunicação com os mortos. É a caçula das doutrinas de maior expressão e tem seus preceitos escritos por seu mentor, Allan Kardec, além de outros livros de autoria de seus seguidores, já que a doutrina prescinde de hierarquia e adeptos menores alcançam status por seus feitos e obras.

Do espiritismo surge revelação da intimidade daqueles que já não estão entre nós, para decifrar por meio de médium um código incontestável de sua personalidade viva, que por analogia nos levaria à presunção dessa mesma existência. Tal suposição tem fundamento na teologia, pois incoerente seria prevenir a não pisar a grama se não houvesse a grama viva, assim como não se poderia advertir que os mortos não devam ser incomodados, se não fosse possível os incomodar. O espiritismo tem fundamento nas primitivas religiões reencarnatórias, mas sem compactuar da metempsicose, conceito que admite a transmigração da alma para outro corpo, que pode ser humano, animal, ou vegetal. É da corrente ideológica espírita não aceitar a retrogradação evolutiva, pois o espírito progride sempre e estaria caminhando contrariamente ao se incorporar em um ser mais rude.

Na procura por uma correlação dos fatos, idealizamos que se temos a mesma origem teremos o mesmo destino. Correlatamente, se uma gama de sucessões se expõe a nossos ancestrais quando de sua morte, da mesma forma então nos submeteremos a tais exposições quando morrermos. Porém, se nenhuma casualidade ocorre quando da morte de nosso semelhante, igualmente presumimos nada nos suceder. A lógica humana é que se fosse possível configurar e provar a vivência de um parente falecido ter-se-ia igual prova da mesma suscetibilidade a que nos exporemos. Se o de cujus permanece vivo na memória daquilo que lhe fora ocorrido, nossa continuidade individual estaria sujeita a igual existência, e a questão apesar de racional esbarra na certeza quanto à existência viva do falecido, na exatidão da prova, na diferenciação do sobrenatural para com as manipulações.

Médiuns de mente aguçada habilitam-se a uma comunicação transdimensional conversando e gesticulando como que revivendo os mortos. Muitas vezes podem fazer revelações contidas de tratamento afetivo entre familiares, que mesmo quando desconhecidas do médium não podem configurar nenhuma conclusão, pois seria racional primeiro supor que a origem da mensagem esteja no pensamento daquele que procura consolo e permanece vivo, ante aquele que já se encontra morto na matéria.

A citação de nomes patriarcais mais antigos que desconhecíamos traz em sua combinação de letras mais do que coincidência, mas igualmente esbarra na possibilidade de duplicidade de origem nos cartórios de registros; e apesar de tanto surrealismo, a continuidade viva do falecido seria mais convincente pelas associações com revelações inusitadas, de conhecimento único do desencarnado, materializando prova da existência de sua memória e de ser dele próprio a origem da mensagem, pois se somente o desencarnado sabia, somente dele poderia ter advindo. Tal revelação inusitada e de conhecimento único do falecido implicaria em um poder sobrenatural do qual correlacionaríamos causa e efeito, cogitando a existência de um mundo espiritual e a susceptibilidade universal para que aconteça conosco também.

Mas devemos considerar que a tecnologia de uma viagem interestelar está atrelada a um conhecimento inimaginável, e a revelação de fatos inusitados por um parente desencarnado não possui exclusividade espiritual em relação a sua origem, pois coexiste a possibilidade de tratar-se de frutos de uma ciência avançada, executada por seres igualmente carnais que monitoram a vida humana para então criar seus efeitos. Desta maneira, a incerteza de um mundo espiritual é recomposta, entendendo que ninguém poderá ter certeza da existência do espírito, senão vier a existir em espírito.

Somos formados da matéria e só a ela percebemos, e apesar da monotonia de uma vida inteira, episódios sobrenaturais acontecem. São raros, raríssimos, mas existem e nos é imaginável de como se poderiam iludir astutos terráqueos, pois dos anos vividos apenas teremos observado um minúsculo tempo de uma ínfima parte do universo, para assim pretender sabiamente julgar. Todo questionamento não intenciona chocar os princípios doutrinários, importa primeiro questionar e arbitrar a dúvida quanto a origem de toda fenomenologia consumada, pois a teoria da espontaneidade da vida caminha de mãos dadas com a moderna ciência que pressupõe mundos paralelos.

A presença de uma civilização colonizadora faria nossos ancestrais acreditar naquilo que quisessem fazer parecer, seriam capazes de dar perspectivas da natureza diferente do que ela realmente é. Se os percebemos é porque assim o querem e embora dotados de tanta capacidade, talvez sejam igualmente mortais e vivam como nós conquistando o mundo, porém, já estariam por conquistar galáxias e a observar as formações evolutivas de outros planetas, monitorando o desenvolvimento da vida e da inteligência; sendo esta a versão mais palpável, que retrata a existência de seres superiores, sem que seja necessário lançar mão de elementos fabulosos.

A conveniência é sempre a mesma, desenvolver fontes de recurso como alternativa estratégica para sua sobrevivência; essa é a razão que fundamenta todo interesse em interferir na colonização de uma espécie. Correm galáxias semeando estereótipos a fim de prepararem a terra primitiva para seu usufruto. Geram uma evolução controlada aos seus interesses e percebendo que nosso mundo diante da tecnologia bélica moderna alcançaria um perigoso estágio pela convicção exclusivamente materialista, induzem a crença no sobrenatural e na existência espiritual como um freio às inquietudes humanas.

Seres prósperos se dedicam à evolução da Terra para nela alcançar um posto avançado de fornecimento de insumos. Monitoram a vida comum para dela extrair o extraordinário, que do seu refino gera a crença no sobrenatural e no consolo às aflições, acalmando as relações interpessoais e internacionais para que o mundo continue a prosperar. Com poderes maiores que de um mago, promoveriam o ilusionismo da fé, impondo forte valor cultural que modifica a essência do ser, pois foi assim como ocorreu em diversos processos de conquista, em que os mais evoluídos iludiram os ignorantes.

A ilusão dos primitivos é tática de dominação, pois no descobrimento da América, Colombo* engabelou os nativos aruaques, ameaçando e cumprindo apagar o sol pela capacidade de prever seu eclipse. Também no Goiás, Anhangoera* iludiu os nativos de que incendiaria rios e florestas para com a insurgência, tendo para tanto, não mais que inflamado fogo em aguardente, desconhecido dos índios, mas que pela aparência julgavam ser água do rio.
*Cristóvão Colombo, italiano, 1451-1506                  *Anhangoera, Bartolomeu Bueno da Silva, brasileiro, ? – 1760

Portanto, a manipulação ideológica por uma civilização superior pode levar o pensamento criacionista a ser visto como uma idéia otimista, caracterizada pela esperança de que a criatura retorne ao criador. E esta perspectiva de engodo ganhará força se a composição do universo demonstrar a ocorrência de vida inteligente em outros planetas, não necessariamente invalidando a existência de um criador, mas estabelecendo concorrência em relação a força capaz de produzir o sobrenatural.

Por outro lado, a hipótese de uma natureza vazia que dispõe o universo a apreciação única dos humanos, embute a suposição de uma força criadora específica sobre a Terra para justificar a formação exclusiva da vida e da inteligência, pois que não parece racional que tal casuísmo seja derivado do nada. Este raciocínio leva a considerar a existência de uma ação extraordinária que aja especificamente sobre a Terra e sobre os humanos de uma forma tão extensa e tão potente que, se capaz de animar a matéria densa, muito mais facilmente o faria pelo espírito, resgatando-o em dimensões além das que vivemos.

Os grandes feitos estão a solta pelo mundo, e não se centralizam sob instituições que se entorpecem por desenhar a casa de Deus, pois talvez a versão não teísta prevaleça e Deus não seja um Ser, mas apenas uma causa, que rege a harmonia de nossa evolução, e as almas seriam registros energéticos que pairam pelas dimensões, atraídas e repelidas por forças da natureza segundo suas afinidades, identificando-se por sua freqüência vibracional, dando prosseguimento à vida numa outra forma de existência.

Nesta concepção cabe cogitar que cada ato, ou pensamento, emite uma forma de energia que molda a aura, que se mantém atrelada ao corpo físico, pois que é o próprio corpo que a gera. Quando da morte o corpo cessa de gerar sua energia e a aura se desprende e se recompõem conforme sua freqüência, obedecendo a leis físicas, de tal sorte que as auras viram almas agrupadas segundo suas preferências vividas na carne. Assim, aqueles que se agradam pela mentira, pela inveja e pelo mal, moldarão suas auras que serão carreadas a ocupar um lugar específico a tais sentimentos e se verá rodeado de almas similares. Já aqueles que viveram o perdão, o amor e a misericórdia, igualmente forjarão suas auras a ocuparem específico lugar destinado às auras equivalentemente moldadas no perdão, no amor e na misericórdia.

Mesmo sem se conhecer a alma, é possível cogitar parâmetros ou conceitos pertinentes à sua existência, evidenciando a memória e o sentimento. Os dois são condição necessária e suficiente para considerarmos a continuidade individualizada de cada pessoa após a morte. Um sem o outro não é nada, porque só a memória de todas as situações vividas seria apenas um filme de quem já morreu e não existe mais. Da mesma forma, o sentimento puro, desprovido da memória, seria uma réplica de nossas emoções, sem associação com os momentos vividos, marca que nos individualiza.

A preservação da memória não oferece dificuldade de ser resguardada por uma tecnologia mais evoluída, que armazenaria os registros vividos individualmente, no entanto, a materialização de uma prova da continuidade viva dos sentimentos pessoais deixará eterna dúvida, já que não compreendemos a vida sem emoção, e o que é pessoal não há como se transferir para outro. O sentimento é derivado do funcionamento corporal e a replicação dos próprios sentimentos fere a individualidade do ser, pois cada qual pondera suas emoções segundo sua própria carga hormonal diante de um filme ímpar gravado em sua memória.

Portanto, novamente afirmamos dizer que do que virá após a morte nenhuma certeza existe. Os fatos sobrenaturais nos permitem pensar que é possível ocorrer a sobrevivência em espírito, mas também é possível que não ocorra, já que uma hipótese forjada pode nos levar a tal ilusão. Tanto as possibilidades espiritualistas quanto materialistas subsistem, e Vinícius* aquarelizou o enigma, desenhando uma estrada incerta após um muro que nos impede ver.         * Marcos Vinícius de Melo Moraes , brasileiro , 1913 – 1980

Das fenomenologias sobrenaturais, o efeito duplo, ou projecionismo, em que saindo do corpo se é capaz de enxergar o próprio corpo inerte, é uma experiência única daquele que a vivencia, pois se torna conhecedor de sensações próximas ao que pretensamente seria da vida após a morte. Porque existindo em pensamento e sentindo-se vivo na totalidade de sua memória e de suas emoções, sem nada precisar da matéria inanimada que perece, torna-se capaz de compreender como a sobrevida pode não depender do corpo físico, como se não fôssemos um, mas dois, em que o primeiro tange a forma material, e o segundo que é imortal, se desvencilha do primeiro quando da sua morte, mas que em vida são unidos e inconscientes da verdade.

No projecionismo o espírito viaja por lugares nunca antes alcançados, sendo capaz de enxergar através da distância e da matéria densa, é ainda capaz de captar a essência interior da mente, a intenção oculta e os pensamentos mais encobertos. Apesar de sua potencialidade transcendental, ainda que o projecionismo desabrochasse a convicção do sobrenatural como nenhum outro fenômeno o faria, decorre prioritariamente pensar que seu efeito tem origem no próprio corpo material capaz de iludir a si mesmo, por algo que ainda não compreendemos.

Embora sejam muitas as possibilidades de conjecturas das situações pós-morte, do que temos efetivamente certeza, é que a civilização vive e tende a viver pelos séculos através das gerações que se traspassam. Porém, o homem tem a crença, ou esperança, oriunda da própria capacidade de pensar, que sua finita existência corpórea possa de alguma forma reexistir correlacionada com sua memória vivida.

Se a lembrança de todas as emoções e situações ocorridas se perder, tudo se resumirá apenas ao momento presente, mas se ao contrário, o pensamento e a emoção do que jaz pudesse se resgatar em qualquer forma energética, os mortos ressuscitariam em pensamento, que antes habitava o corpo, e com a morte passaria a viver em espírito. Talvez numa suma tecnologia consiga o homem reter a energia da mente, evitando perder o pensamento para ser guardá-lo em Kbytes à medida que o corpo se esvai, e tal máquina engenhosa será a casa onde morará o pensamento daquele que já não têm o próprio corpo, pois que diante da incerteza da alma, aprisiona seu pensamento a máquina.

Os homens buscam a compreensão da existência como que se conhecendo sua origem, projetariam seu destino. A presunção é que voltemos para aquilo que nos criou. Se acaso viemos do nada, por sermos uma conseqüência normal da natureza e existimos simplesmente porque tudo existe, então ao nada voltaremos, deixando de existir quando não mais vivermos. Porém, se fomos criados por um Ser superior, igualmente presumimos renascer da morte, retornando ao Criador. No entanto, os dois raciocínios não consideram uma inversão de posição, de haver um Ser criador sem que a Ele voltemos, ou que havendo sido criado do nada, novamente do nada nos recriaremos. Foi dessa forma que aconteceu na natureza, ela se acomodou e combinou na imensidão do tempo até que se formou a vida, num processo em que átomos se organizaram energeticamente e proveniente da matéria pura, gerou-se o imaterial, o pensamento e a inteligência.

Talvez essa conjectura nos leve realmente a uma posição na cadeia evolutiva em que nos alimentamos de vidas inferiores, para da mesma forma suprirmos seres superiores, porque assim como a vida evoluiu de células para plânctons, de invertebrados para vertebrados, da água para a terra, de animal para racional, possa acontecer que o processo não pare, e haja outras formas de vida que não tenhamos elementos sensoriais para perceber. Poderia ocorrer que o homem fosse um pensamento habitando o corpo, regendo-o como mero instrumento ao qual estivesse preso, mas que da morte se desenlaçasse, o casulo para perecer e o pensamento como que do lampejo de uma chama ressurja, alegrando-nos com o incompreensível.

Apesar de atingirmos um entendimento razoável da concepção do universo e da vida, não podemos deixar de tratar com reverência a presença do Sobrenatural, sendo muitas as idéias que se formam para explicar o que está além da nossa compreensão. É preciso diferenciar a coincidência do extraordinário; a primeira está prevista nas frações da estatística, enquanto que o segundo extrapola a probabilidade com uma força que inverte a própria tendência, capaz de ir contra a natureza, como se fosse soberano e de vontade própria. Coincidências acontecem naturalmente, como o excremento de pombo que nos acerta, ou as nuvens que formam desenhos variados, mas na verdade existe um limite para o acaso, já que o universo tem o seu próprio limite de espaço, de tempo e de exposições.

A dificuldade humana sempre foi mensurar estatisticamente cada evento, a ponto de não saber interpretá-lo como coincidência, ou como sobrenatural. Então, se imaginarmos ser possível durante 14 mil milhões de anos de existência do universo, que a cada segundo se atirasse cem moedas para cima, possivelmente ocorreria uma única vez em que noventa e uma delas cairiam do mesmo lado. Para que o mesmo evento ocorresse com noventa e duas moedas, necessitar-se-ia nessa proporção de 117 mil milhões de anos em tentativas, e para o acontecimento de que todas as cem moedas caíssem do mesmo lado quando lançadas ao acaso, requereria nessa mesma razão de um milhão de milhão de vezes o tempo de existência do nosso universo em tentativas. Tal fato transcende as expectativas da natureza e nos leva a crer na existência do sobrenatural, na necessidade da interferência de uma força externa, pois é preciso ter discernimento para entender que é muita coincidência para ser só coincidência.

Numa escala bem menor que a combinação de cem moedas, o nosso cotidiano está susceptível a uma ampla possibilidade de associações que eventualmente convergem em situações curiosas. Coincidências aparentes ocorrem como o sabonete fino que escorrega da mão e se depara na posição mais instável, ou como o objeto que bate, rebate e encaçapa no encaixe exato, e mesmo os casos de catalepsia, os que sararam de doença incurável, os sobreviventes únicos de acidentes, e os que fizeram da numerologia um ofício, não são protegidos do além, são apenas a personificação de ápices do acaso, cujo revés equivalente igualmente nos atinge. São números da estatística em que a sorte e o azar andam juntos, e em casos extremos fazem parecer benção ou maldição, como que nos induzindo a crer na interferência do bem, ou do mal.

Embora por vezes a vida possa parecer uma trama, que nos envolve querendo carrear como se houvesse um destino a cumprir, existe um vão para as interpretações isentas de interesses e de ilusionismo. Mesmo que um poder maior fosse mostrado e ainda que se determinasse que todos os instrumentos musicais deste planeta soassem juntos acordes ao mesmo tempo, de modo que aqueles que tivessem em casa uma flauta, um violão, ou uma percussão, pudessem dar testemunho de um som simultâneo e misterioso, ainda assim, apenas poderíamos conceber a existência do poder que faz instrumentos musicais soarem por meios desconhecidos. Como ainda não conhecemos um princípio físico capaz de fazer soar os variados instrumentos musicais, isso poderia de fato parecer sobrenatural, mas não dá subsídios para certificarmos sobre a origem deste poder, já que seu efeito não restringe sua força advir da dimensão espiritual, como também sua origem não possui exclusividade no universo material.

Portanto, mais uma vez, reafirmo que nada neste mundo poderá lhes oferecer garantias ao que virá após o colapso corpóreo. Intuímos e almejamos nossa recomposição posteriormente a deterioração carnal, mas são meros anseios imaginários que projetamos para suprir a sensação da perda vital que conscientemente sabemos ocorrer a cada segundo. Essa incerteza é a sustentação lógica da fé, que só pode existir na forma de esperança, pois calçadas da convicção as doutrinas religiosas seriam cunhadas de obrigação.

Para o homem comum da mesma forma como existe um limite para as possibilidades também existe limite para as casualidades, requisitando grande sensibilidade para avaliar os acasos, pois para não reconhecer a Deus, sempre haverá uma explicação para tudo que ocorra, ou do contrário, ter-se-ia de imaginar uma conspiração do mundo contra a própria pessoa, e enigmas invioláveis são abismos de loucura. Peremptoriamente todos vagueiam em suas crenças diante da inconclusividade; desde o ateu desenfreado, ao religioso limitado, todo aquele que se propuser a veracidar qualquer das versões, estará apenas gastando o dinheiro do prêmio de um bilhete que ainda não foi contemplado.