CAPÍTULO 5 - Os valores Individuais e as Forças Sociais

A transformação da sociedade advém da transformação do indivíduo, e as atitudes humanas derivam das forças oriundas de uma escala de valores, de uma confabulação das condições do momento presente e da fomentação hormonal, sendo esta um fator individual e específico do metabolismo que faz ponderar por suas descargas. A ciência do futuro será capaz de conhecer e equilibrar a fomentação hormonal dos indivíduos de condutas distorcidas, trazendo-os para uma aspiração mediana através de compensações psiconeurais, dando-nos a segurança de um mundo mais harmônico.

As condições do momento presente são fatores conjunturais e casuais que instigam as ações humanas em um leque amplo de opções. Assim, podemos entender que a escassez de alimento é conjuntural e o tempo de abstinência de cada indivíduo é casual, de modo que todos lutarão por comida, segundo sua privação, a valoração ética, e também influenciados pela descarga hormonal de sua fome. Novamente devemos considerar que o futuro nos apresentará condições mais amenas, suprimindo inquietações e frustrações, dando mais ênfase ao caráter pessoal na determinação de cada ato, ou omissão.

A escala de valores se faz modelar, visto que o cérebro é como um computador arquivando informações, formando um campo de comparação relativa para lastrear nossa conduta induzida pela força da sobrevivência, pela necessidade de segurança e de aceitação pessoal. Nós nos mostramos pela janela que nos possibilite melhor acomodação, agimos pela linha mestra segundo a nossa própria escala de valores hierarquicamente classificados, sendo tudo ponderado na razão do risco e do benefício; e mesmo quando não agimos nos igualamos ao tímido que reluta em atuar, por considerar em sua escala de valores mais precioso a preservação de sua intimidade que o produto obtido com o feito.

O homem é racional por natureza, usa a lógica da mesma forma que respira, essa é sua excelência. Os que assim não agem são os perturbados que valorizam o prazer efêmero e os loucos que não conseguem se situar no mundo real; suas mentes sintonizadas em outro mundo vivem da fantasia capaz de preenchê-las num looping eterno. Mas também observamos a vulnerabilidade da mente, que vai além dos instintos básicos, transcende a sobrevivência, pois daqueles tidos como normais, a versatilidade da cultura humana pode levar à formação de kamikazes, que se orgulhavam da morte em nome do imperador, do esquimó que cede sua parceira por receptividade, das sociedades que aceitam, ou condenam a poligamia, e das que fazem do nascituro razão de morte, ou de comércio.

Agimos moldados naquilo que aprendemos a valorizar, somos copiativos, produtos do meio social e mesmo aquele que se desvirtua do seu meio, o terá feito por haver em si uma influência do ambiente externo inferior ao de sua personalidade. As pessoas mantém sua escala de valores em permanente negociação, alternando-os no decorrer da idade, numa expressão direta da experiência vivida; é o próprio amadurecimento natural que faz ver diferente.

Sem desejo o corpo é inerte, porque toda ação requer um impulso provido pela aspiração de algo. Mesmo para gerar a ação de uma esmola, aquele que a faz em público terá recebido sua recompensa na admiração que desperta e na satisfação dos ilustres adjetivos que usufrui; também o que a faz oculto têm como elemento de sua força motriz a emoção própria da satisfação que lhe causa. Nenhuma ação é isenta de anseios.

Inerentemente a sua característica, o homem vive em permanente barganha, sempre necessitando de algo para si, não necessariamente material, pois mesmo o filantropo também negocia trocas, e pratica a filantropia pela sensação de bem estar que esta lhe proporciona, sendo este o seu prazer e se prazeroso não fosse, não o faria; doa-se, requerendo para si o bem estar da aceitação pessoal que lhe é própria.

Aquele que tem por satisfação a riqueza barganhará de seus valores por ela e da mesma forma como o filantropo, ambos estarão realizando trocas segundo sua própria escala de valores, sendo que o materialista motivado por sua pretensão maior cederá a honra, a ética, ou a família, em um limite no qual somente esbarrará se houver em seu conceito algo mais valioso que a própria riqueza. Esse demérito natural faz-nos entender e resignar às atitudes dos menos esclarecidos, que possuem uma distorção quantitativa de seu egoísmo, pelas próprias expectativas criadas em sua escala de valores.

A compreensão de nossa imperfeição aumenta a tolerância que alarga os limites da liberdade individual, pois não podemos conceber uma sociedade com um modelo de conduta que nos aprisione pela suposição de dogmas. A mais evoluída concepção seria a que reconhece as imperfeições humanas e cria uma escala de valores compatível com seus instintos e inquietações. As normas de conduta na forma da lei devem ser descritas para dar uma noção exata e necessária para não perdermos nenhum de nossos limites de liberdade por um código arcaico, que menospreze o impuro, ou que valorize o preconceito.

Aquilo que não atinge o alheio não pode ser errado, e cada ser é dono de seu próprio corpo e de suas decisões. O Estado criou tantas proibições que lhe falta capacidade de ação para fiscalizá-las, mas a partir da compreensão de como interagem as atitudes em coletivo, alcançaremos um melhor entendimento do proibido e do permitido, concebendo moldar padrões de comportamento mais liberal e mais rígido aos desvios, dando-nos o conforto de uma sociedade mais segura e mais livre.

Ao olhar no caleidoscópio da evolução humana, uma das facetas permanece obscura, pois que sua conduta muitas vezes se iguala à dos bichos, como se com eles tivessem aprendido; no entanto, a espécie humana como organismo tende a evoluir, pois já estamos próximos da construção do planeta, sendo viável cogitar que a antiga lei de distribuição de riquezas tenha requintes de homogeneidade em sua dispersão, sendo capaz de possibilitar dignidade a todo ser vivente e pensante.

Quando cogitamos as possibilidades de evolução da raça humana não podemos deixar de considerar a extinção da miséria, e todo aquele que assim vislumbra e contribui para democraticamente alcançar alternativas sociais crescentes deveria ser chamado de homem de boa vontade; mas antes disso, tudo são sementes, permanecendo latente até esse tempo chegar, pois o homem ainda cumpre por finalizar a era do ter para iniciar a era do ser.

O aprimoramento da organização social está voltado a um cenário menos arredio, onde a sociedade vindoura acatará todos os homens viventes ao custo mínimo da dignidade, extinguindo as condições capazes de precipitar insegurança e desespero; e se for capaz de estudar e controlar os distúrbios da mente, eliminando a parcela dos insanos, então terá criado uma geração menos ansiosa e mais consensual, na qual o desuso do mal faz extirpar a glândula que o produz.

A maldade vem do medo que necessariamente não se justifica pelo mundo real, mas é um medo que existe dentro da mente humana e que é origem de todas as demais imperfeições. Poder-se-ia pensar que não existe raiva, mas apenas o medo de não haver justiça, poder-se-ia pensar que não existe egoísmo, mas apenas o medo de ser inferiorizado, poder-se-ia pensar que não existe vaidade, mas apenas o medo de não ser aceito. Assim, todo desvio é fruto do medo, o mesmo medo que aflora das inseguranças mais remotas, infantis, e que cresce junto com o corpo. O homem teme o homem pelo que o homem faz ao próprio homem. Enxergamos no semelhante nossos próprios temores, pois aquele que planeja colocar veneno na comida de seu inimigo é quem hesita a oferta de uma bela maçã, porque vê nela a malícia contida em seu coração.

O homem mediano é predominantemente bom, possui valores de consideração, respeito e misericórdia pelo seu semelhante, mas também é pouco instruído, influenciável, arrastado pelas ideias de outros homens com inteligência para o convencimento. A natureza também fez nascerem homens excepcionalmente bons e homens excepcionalmente maus, porém, é nestes últimos que se desenvolve uma maior engenhosidade da manipulação do comportamento, através da mentira e do engodo, capaz de arrastar os homens medianos aos seus interesses pérfidos, que se traduzem em toda violência que sempre afetou a humanidade.

Os valores de uma sociedade são os da predominância dos valores individuais de seus membros, e ao redor dessa moda estarão comportamentos mais conservadores e mais liberais, requerendo ampla tolerância para abrigar todas as ideias. Sua média não é estática, move-se com o tempo à medida que a mentalidade humana se transforma, e essa evolução lenta que se modificava no decorrer das gerações, tomará velocidade no grau em que as comunicações integrarem o planeta, provocando uma metamorfose cultural em todas as sociedades abertas, em que as mentalidades sobrepostas darão interseção e divergência de seus hábitos e pensamentos, já que estrategicamente seríamos muito fracos se todos pensassem da mesma forma.

Indo mais além, se em uma congregação de uma centena de homens, 99 deles pensarem da mesma forma, recomendaria ao centésimo opinar diferentemente, pois se num ensaio utópico pudéssemos desde o início dos tempos separar os homens de boa índole dos de índole perversa, com certeza nenhum destes dois grupos desenvolveriam uma dinâmica social que permitissem alcançar o sofisticado mundo a que chegamos. Isto porque os homens bons são bons demais para forçar os homens maus a construir o mundo, e então viveríamos uma fraternidade nas savanas; como também os homens maus são egoístas demais para preservar tudo o que foi construído, e tudo consumindo em seu frenético deleite.

Essa foi a dinâmica com que construímos nossa sociedade e que seguiremos a avançar. Para acomodar as ideologias o princípio vigente seria de aceitação e tolerância; a sociedade repensaria o certo e o errado, o aceitável e o intolerável, para redimensionar espaços da liberdade individual e da obrigatoriedade. Enquadraria o infrator como libertino e o sonegador como isento, criando elementos de agregação social, não necessariamente opostos aos valores atuais, mas com padrões de comportamento mais próximos da realidade humana. Haveria maior aceitação da imperfeição, com regras mais livres e tolerantes, porém, mais rígidas ao se transpor os limites estabelecidos, para não penalizar duplamente os que vivem na legalidade, pela perda de seus espaços sociais ao temer a punição de sua justiça fraca, como também por sofrer as ações criminosas dos que impunemente descumprem a lei.

Algumas de nossas concepções são embasadas em um conhecimento antigo, tão antigo que nem a eletricidade havia sido descoberta. As ideologias, pela própria coerência de sustentação, produziram um código de ética e conduta compatível de seu tempo, mas o aprofundamento dos estudos e as descobertas deram um novo entendimento ao nosso convívio. Os limites de uma lei visam a proteger a harmonia social, então é preciso entender as conjunturas de uma época e o fundamento de sua imposição, para que uma vez extintas as condições e os riscos que tais transgressões viessem a danar, esses mesmos limites não se perpetuem, cerceando nossa liberdade individual.

Estamos na contramão da permissividade pelo medo do que criamos, tolhemos nossos limites e nossa liberdade que acabam por nos acorrentar, atacando o efeito sem olhar a causa. Os incidentes com os meninos atiradores não podem ser vistos como uma discriminação às armas, que apenas servem por sinalizar o que se gostaria de esconder, pois assim estaríamos atacando a matéria inerte, sem agir sobre as ideologias discriminatórias.

Um dia as armas mostrar-se-ão desnecessárias, mas por hora haveremos de distinguir a violência das ruas da privacidade do lar, que guarda a arma desmontada para não serem passíveis de ocorrências passionais, ou acidentais. Esta é a garantia de que o poder maior reside no coletivo e emana do povo, pois já se passou o tempo em que enxadas e foices consumaram a Revolução Francesa pelo ideal de liberdade, que é soberano à questão da marginalidade de alguns.

Se o poder emana do povo, então no povo deve estar contida a maior força social, e este princípio se torna real quando os cidadãos tiverem em casa guardada sua arma, que quando individualmente utilizada é delinquência, mas a possibilidade de uso coletivo é revolução e evolução. Ferir tal princípio é tirar do povo o poder maior para ser retrógrada, e não devemos ter medo de austeras posições, pois o maior ícone do mundo ocidental ensinou a ser manso, mas também foi duro quando se fez necessário.

Prosseguindo no entendimento da liberdade individual, a vida se contempla pela harmonia de todos os órgãos vitais: se o fígado é mais frágil que o pulmão, perderia o prazer de beber para não perder o prazer de fumar, e todos assim percebem; pois já não vivemos tempos da brilhantina, quando a vida valia muito pouco antes da penicilina, e que o risco de um cigarro não existia. A medicina evoluiu para compreender a cumulatividade das substâncias, e a coerência é de que tudo existe para nos servir, segundo a vontade, a sensibilidade e o prazer, cabendo a cada um a calculabilidade de seu custo e de seu benefício.

Vivemos o paradoxo da repreensão às drogas imputada por aqueles que supostamente desconhecem seus efeitos, porque como autoridades da lei não podem assumir seu descumprimento. São incapazes de julgar o ônus e o prazer inerente por desconhecerem o que teoricamente lhes é obscuro e só lhes resta impor sua opinião lastreada em mera presunção de seus estudos estatísticos.

Somos livres para cometer os desejos e as inquietações cujos efeitos se limitem a nós mesmos; este é o pilar que fortalece a liberdade, e por sua vez fortalece a democracia. Vivenciamos épocas de repressão, mas o que observamos hoje são sociedades compostas de parlamento, instituições e cortes, que num pioneirismo democrático aceitam o Tetra Hidro Canabinol como portento de qualidades, não admitindo assim um incentivo aos narcóticos, mas apenas diferenciando o natural do sintético, já que é pelo comércio que o homem se escraviza, e daquilo que está puro na natureza, inviabiliza a mercancia.

Nesse passo, diante da garantia da liberdade individual, as sociedades haverão de congraçar que a capacidade de intervenção do Estado tem seu sentido na preservação da ordem sob a qual se estabelece, e que seu limite não pode ultrapassar a meia vida de cada pessoa, em que a primeira metade é dada aos estudos e a reprodução, enquanto a segunda metade é dada a reflexão e a recompor-se perante o conhecimento adquirido.

O Estado não pode proibir que se plante uma semente em sua própria casa e que de suas flores se possam fumar, pois ferirá o conceito do lar como asilo inviolável, espaço de soberania individual e de uma liberdade respeitosa. Porém, outras sociedades nutrem o Estado de prerrogativas imensuradas; criaram suas cidades onde antes havia o mato e as ervas, e no meio delas edificaram prédios e palácios, mas determinaram que não comessem, nem fumassem do fruto do discernimento, e fizeram uma paródia de Deus com o Estado, da maçã com o cogumelo, e do Éden com o mundo moderno. Alcançou-se o contra senso da hipocrisia, quando num irritadiço de coragem o presidente Clinton admitiu ter fumado, para mais tarde, corrigir-se numa suma polidez, revelando não ter tragado. Seria hilário se não fosse trágico.

A repressão às drogas sintéticas possui lógica e contradição, pois sendo o Estado incompetente para banir integralmente toda oferta de entorpecente, a parcela subsistente se beneficia alcançando maior lucro pelo maior risco incrementado ao negócio. Assim, toda ação policial de repreensão não trabalha para a sociedade, mas para os demais traficantes que permanecem ilesos e se agraciam pelo risco e pela carestia que justifica a elevação de seus lucros.

Toda fundamentação na proibição das drogas sintéticas é subjetiva e possui caráter meramente preventivo, já que o único exemplo real de sua disseminação aconteceu séculos atrás no porto de Cantão quando da Guerra do Ópio, os chineses se entregaram ao vício como fuga da falta de perspectivas. Houve sim um mergulho profundo no consumo e precocidade nas mortes, mas o Estado carente da China do século XIX não é comparável com o modelo social que estamos prestes a alcançar.

A conta dos óbitos causados pelas drogas sintéticas deve considerar não apenas a morte proveniente de overdose, mas também a morte decorrente pela disputa do tráfico. A conta dos malefícios sociais causados pelas drogas sintéticas deve considerar não apenas a alienação dos viciados, mas todo estado de terror imposto pelas organizações criminosas que se estabelecem diante da oportunidade de tráfico. A conta fiscal do Estado não deve considerar apenas o gasto com reabilitação e atendimento médico dos drogados, mas as despesas das operações de repreensão, judicialização e encarceramento dos processos criminais, como também toda receita advinda pela sua legalização que financiaria tratamento digno a recuperação daqueles que almejam libertar-se. Todas essas análises denotam a contradição no combate às drogas, lição já demonstrada na Lei Seca dos Estados Unidos da América no século passado, e que hoje possuem a polícia mais bem treinada do mundo e antagonicamente o maior consumo de drogas sintéticas do mundo.

E se não bastasse, reflitamos que a liberação das drogas sintéticas provocaria inquestionavelmente uma elevação de seu consumo, como também uma desprofissionalização de seu tráfico, já que tais substâncias ganhariam status de mercadoria a serem comercializadas em específicos varejos. A sociedade perderia valor pela parcela de seus elementos que adicionalmente passariam a se entorpecer, mas ganharia pelo desmantelamento de sua estrutura criminosa e que tanto afeta aos não usuários, inclusive. Decorre salientar que aqueles que se esvairão pelo consumo dos narcóticos liberados o farão por sua livre opção, mas a predominância da sociedade não usuária sofre as mazelas das drogas sem terem escolhido.

Os que conhecem os orfanatos dos países de rigoroso inverno conhecem também as vítimas do álcool, os filhos abandonados daqueles cujo organismo deficiente produz os elementos de metabolização independentemente de sua ingestão. Assim como o álcool produz efeitos de torpeza e bem estar, os elementos de sua metabolização produzem efeitos de angústia e inquietação, sendo liberados indevidamente no corpo sóbrio que passa a clamar por seu antídoto. Logo ao amanhecer, seus metabolismos pedem por uma primeira dose para alçarem equilíbrio no decorrer das primeiras horas do dia, porém, esta estabilidade tênue se desintegra produzindo nefastos efeitos sociais.

Nossa liberdade nos vale para construir um mundo novo igualmente livre, o mais próximo da anarquia que o respeito permitir, porque o mote de uma bandeira seria liberdade e respeito, para congregar uma diversificação de personalidades, sem perder a capacidade de abranger a individualidade do prazer. Na sexologia, se a ordem dos valores fosse inversa, ou seja, se o correto fosse deitar homem com homem e mulher com mulher, sendo mantida minha preferência sexual, seria eu então uma aberração ao modelo, pois não sujeitaria meu instinto natural para satisfazer aos caprichos dessa gente. Da mesma forma, o homossexual é vítima desse preconceito e por não entendermos as causas dessa força, cabe no mínimo o respeito solidário pela sua situação de se arder em desejos pelo que se opõe à preferência da maioria. Seu apreço é de consideração e respeito pela liberdade que cativamos, não cabendo nenhuma exaltação, porque o homossexualismo é algo estranho e não há apologia no estranhismo.

Se observarem pela ótica de um estrategista, no mínimo reconhecerão em sua sexualidade um ponto avançado de exposição aos riscos de contágios por fluídos corporais, sinalizando preventivamente aos demais, visto que, se o fenômeno HIV tivesse acontecido no século passado teria exterminado o mundo herege, porque sem a liberdade de professar suas preferências e sem uma medicina celular seríamos incapazes de associar os óbitos às causas, e os povos de cultura fechada em si mesmo seriam reserva estratégica da espécie humana que como castos, apocalipticamente, entenderiam toda a catástrofe. De modo que, cabe o registro de agradecimento a todos os homossexuais que tombaram pela perda de sua imunologia, através de sua sinceridade que revelou para a ciência estar no sêmen o vírus destruidor, porque diante da hipocrisia dos que mantém tão bem escondida sua promiscuidade, muito se retardaria para constatar sua relação com a mortalidade.

O homossexualismo merece nosso respeito, minimamente pelo infortúnio da incompatibilidade corporal entre o ser e o gênero, é sem dúvida descortês toda chacota a sua condição, mais que isso, é hediondo, mas nunca percamos de vista tratar-se de uma disfunção, que tanto atinge os humanos quanto os animais. A bissexualidade está presente em todas as espécies da fauna em variados graus, descartando qualquer rigidez de preferência, porém só a espécie humana assume a condição de exclusividade de sua opção.

A inversão de preferência sexual não é debilidade, permitindo uma participação social total, limitada ao poder constituinte, que não mais poderá ser dado a quem não tem a preferência natural das coisas, visto que num resquício de nossa falta de entendimento, a família como instituição será questionada já após as observações das primeiras crianças geradas em proveta, e confirmado saldo positivo, propiciar-se-á que novas gerações nasçam entubadas, abrindo portas para a formação de uma auto-espécie capaz de se procriar em tubos e de assim reinar por pura vaidade do pensamento, pensando ser uma espécie à parte, esquecendo-se que é parte da espécie.

Foi pela percepção de quarenta luas que os primeiros homens correlacionaram o sexo com o nascimento, e então determinaram o comportamento mais conveniente à sua agregação social. No passado, a força casta teve seu sentido no comércio de dotes e na preservação da linhagem, porém, essa era moderna tem seu próprio freio e a liberdade sexual do próximo milênio deverá ser determinada pelo grau de risco de contaminação viral que se apresente. Pois mesmo que protegido do sêmen, envoltos e plastificados, vírus mais evoluídos com maior tempo de encubação poderão transmitir-se pela saliva, e o sexo não é vil como o ouro que se encontra à mão de qualquer um, e em vista de fazer amor sem beijar é melhor brincar com o Playstation.

Individualmente o conceito da vida é absoluto, mas socialmente observado torna-se relativo, pois nossa sociedade admite valor superior à vida quando bombardeiam pessoas e cidades. Os povos se compõem de tradições e até de intimidades, cabendo a cada qual organizar-se sob estes preceitos, e assim haverá um canto na terra para cada gosto, no entanto, os limites se excedem ao de um isolamento territorial unilateral, porque a prepotência entutelada de direitos humanos autoriza a atacar os próprios humanos.

O Estado demonstra sua incoerência na proibição de matar ao mesmo tempo em que admite pena de morte, tomando em suas cortes o lugar do próprio Deus que concebem, para dar à vida um valor convenientemente ambíguo; mas para ser Franco*, pelo Evangelho que juram, seria preferível morrer a matar. Todo condenado cuja expectativa de vida seja maior que a própria pena deveria ser tratado como recuperável, e o Estado deve se responsabilizar por isso, iniciando por descriminalizar as contravenções leves que superlotam as cadeias.        *Divaldo Pereira Franco, brasileiro, 1927 +++

Antagonicamente, talvez pelo medo de vulgarizar os valores da vida, o aborto foi proibido nas diversas culturas; uma proibição que luta pelo direito à vida, sabiamente concebido em maior grau que o direito da gestante de optar. Porém, o novo milênio nos reserva uma série de descobertas para se estabelecer o exato momento em que se dá a concepção da vida, e se não for desde o encontro do espermatozóide com o óvulo, decorrerá um período em que ainda não existe vida, mas apenas sua massa geradora, sendo que por uma hierarquia de valores, o direito da liberdade individual deve ser superior ao direito da massa, criando um ínterim de permissividade legal à pratica do aborto. Porém, se ao contrário, desde o primeiro momento no zigoto já estiver concebida a vida, as garantias de seus direitos lhe asseguram bons cuidados.

Enquanto a ciência não puder estabelecer o início da vida e fundamentar uma lógica legal a questão do aborto, é de se apreciar uma sociedade que não imponha condições conflitantes para situações diferentes, sem jamais esquecer a oportunidade que tivemos de nascer, como se fosse possível ser contra o aborto e ao mesmo tempo contra a proibição de abortar.

Estes são alguns dos conflitos que a nova sociedade deve desvendar para dar mais coerência aos nossos descendentes, que certamente se lembrarão de nós pelos pensamentos e conceitos confusos e antagônicos às nossas práticas.