Os que crêem no espírito crêem na existência de dois mundos, cuja correlação está descrita na bíblia entre as palavras dos profetas e as lições do Mestre. Enquanto Um preconiza a assistência retributiva neste mundo material, o Outro explana um porvir de compensações no mundo espiritual, distinguindo a brevidade do primeiro da perpetuidade do segundo. Os profetas falam de um Deus vivo contemplativo da vida e ciumento, enquanto o Mestre é altruísta, reflexivo do espírito e consequentemente da morte; embora sejam sócios do mesmo capital humano nos proporcionam enfoques distintos, porque distintas foram as épocas e circunstâncias de cada tempo. Sendo o Santíssimo enviado do Altíssimo é óbvio que não pode haver conflito, portanto, todo entendimento deve necessariamente abarcar ambas as vertentes. Desse ponto começam as subjetividades das interpretações de valores que deve oscilar entre o forte e o fraco, ou o bom e o ruim, porém, maior e mais abrangente que a variedade humana é a misericórdia e a justiça Daquele que é princípio e fim.
O Regente universal terá por atributo a misericórdia e a justiça, e haverá de ser máximo em todas as Suas perfeições, pois se Lhe faltasse uma parcela de qualquer um de Seus atributos, poder-se-ia imaginar um ser que possuísse aquilo que Lhe faltasse, e esse ser mais perfeito, ainda que imaginário, seria verdadeiramente Deus. Assim, o Todo Poderoso é infinito de virtudes, é pleno de poderes e Sua inteligência não pode ser alcançada por nenhuma outra. Exatamente por isso não compreendemos o traçado do Pai, nossa inferioridade intelectual nos impede de considerar todas as prerrogativas, pois somente avaliamos nosso horizonte adjacente, somos incapazes de ver além. Mas o espaço e o tempo em que estamos inseridos se desdobram em possibilidades que não podemos cogitar, e somente Aquele que é o alfa e o ômega é capaz de diagnosticar.
Apesar de toda essa incompreensão é chegado o momento de abrir as cortinas para que o sentido da vida e da morte, da alegria e da doença, da paz e do ódio, da justiça e da fome vos seja aclarada. Pela onipotência do Criador, ser-Lhe-ia factível criar o homem perfeito como um monótono jogo de espelhos a refletir Sua própria perfeição, mas tal pensamento advém da incapacidade de enxergar os Seus desígnios, de entender a Sua obra e desvendar a Sua trama, pois ocorre que a vida incita a matéria inanimada, que bruta se lapida em sua própria rudez. Esse é o sentido da vida e do universo, que são perfeitos, nós é que não compreendemos sua evolução, pois a morte, a miséria, a dor e a maldade, têm razão de existir conforme foi aqui descrito. Enquanto a construção do mundo não estiver acabada muitas dores restam a vencer, dores que amansam a fera humana ao mostrar a fragilidade da carne, e aqueles que confiam na matéria estejam certos de que esta vos trairá.
Todos os conflitos humanos existem por não nos considerarmos essencialmente espírito, pois vivemos momentaneamente encarnados para desenvolver a fé que levaremos para o mundo espiritual a nos graduar como patente. Isso é observado pelas tantas vezes com que o Mestre hierarquiza o reino do Pai, designando maior e menor, grande e pequeno segundo nossa própria fé. Obviamente nada disso é claro, porque a fé requer sua parcela de incerteza, sendo ela o maior dentre os preceitos, tantas vezes igualmente revelado pelo Mestre. Toda presença do mundo dos espíritos nos é omitida e a razão dessa obscuridade é precisamente não permitir sua clareza porque desse mistério surge a fé.
Se o amor fosse o maior dos atributos o mundo espiritual nos seria revelado, porque tal revelação não é conflitante com o desenvolvimento amoroso, mas a inconformidade desse conhecimento esbarra unicamente na fé, que é a essência de todo mistério. Para seu desenvolvimento nos é imposto a construção do mundo como um impulso direcional de nossas obras e de nossas relações interpessoais, fazendo da vida mundana um campo de prova em que nos deparamos com obstáculos para exercitar nossa fé. Recebemos a Terra bruta sem construções nem benfeitorias, sendo tudo realizado em grupos e nada foi feito individualmente, apenas o sopro das idéias é pessoal, e então projetada à realização de todos pelas forças sociais de cada época, pela escravidão, ou pelo salário.
Comparemos a fé com a situação da borboleta que antes é larva e muito se esforça dentro do casulo para romper o lacre do alvéolo. É desse esforço que a borboleta fortalece o músculo de suas asas que lhe darão poder de vôo, mas se naquele momento de dificuldade em que a borboleta luta para libertar-se do invólucro, de alguma forma condescendente a natureza formasse uma rachadura na película que facilitasse a saída da mariposa, tal facilidade desapropriaria o inseto do esforço que agregaria musculatura a suas asas, e assim nasceria uma borboleta frágil, sem capacidade de ruflar. Dessa comparação associamos o invólucro da borboleta às nossas dificuldades cotidianas e a rachadura seria um caminho mais fácil e atraente. Nosso sofrimento e angustias equivaleriam ao esforço do inseto em libertar-se e suas asas fortalecidas seriam análogas a instrumentos de poder no mundo dos espíritos. Essa é a lógica de todo mistério, de toda insinuação com que o mundo pós-morte se apresenta sem evidenciar qualquer certeza, pois se houvesse certeza a fé estaria morta e prevaleceria a obediência.
Nas nossas dificuldades oramos ao Pai pedindo auxílio que muitas vezes não chega, mas seria equivalente a larva clamar por socorro para libertar-se do invólucro, sendo que qualquer ajuda externa para libertá-la impediria de fortalecer os músculos de suas asas e conseqüentemente não seria benéfico em sua nova vida como borboleta. É preciso forjar a musculatura das asas com esforço, assim como nos é necessário desenvolver a fé diante das necessidades. É por esta razão que não fomos criados perfeitos a refletir a própria perfeição do Criador, pois somente pelos erros exercitamos vencer as dificuldades e desenvolver a fé, instrumento de maior valor no mundo dos espíritos. Essa lógica simplista nos é testada todos os dias, a cada refeição, a cada passo e a cada fôlego, pois o mundo comporta famintos, paralíticos e enfermos, mas normalmente ignoramos seus sinais e procuramos sempre a rachadura no casulo, o caminho mais fácil e agradável.
Assim, a Teologia do Desapego condiz com um estado de necessidade próprio para a mudança e evolução que seria desvirtuado por uma condição de fartura, onde o deslumbre material desviaria do verdadeiro intuito que o Eterno tem para nós. A Teologia da Prosperidade é válida quando se aplica coletivamente, na produção real de riquezas, ou na descoberta de curas e de novos conhecimentos, mas é sem propósito quando premia individualmente e descabida quando lastreada no suor, na dor, ou no insucesso de outros. Com exceção de João Evangelista, que morreu cativo na ilha de Patmos, todos os evangelizadores das primeiras gerações sofreram mortes traumáticas, com dores e sem clemência, provando para estes que o Cristo não foi motivo de redenção nem de glória aqui na Terra, tampouco para aqueles que pagam e justificam no dízimo a razão de sua prosperidade.
Se existe um Deus que é criador, é Pai de todos igualando-nos à irmandade. A percepção desse raciocínio é espada afiada que encurrala os comodistas a declararem-se órfãos ateus e a perceber seu desdém ao irmão por uma vida de conforto, provida de casas e de aparelhos que os aclimatizam, aparelhos que lhes permitem comunicar, aparelhos que os tornam mais rápidos e que os fazem voar, em contrapartida àqueles que trabalham para construir as casas, bem como daqueles sem casas e sem aparelhos para sair do off. Somos filhos do mesmo ancestral e do mesmo Deus, irmãos sem distinção de raças, somos parceiros de palco de roteiros do além e não apenas uma coisa viva que come, bebe, respira e exala.
Sendo convictos da existência de um mundo espiritual e de sua correlação com a vida terrena, obedeceríamos no amor a Deus e a seus filhos favorecendo o irmão pelo mesmo Pai. Não dosaríamos de cautela para as riquezas eternas, doaríamos nosso tempo em atenção aos desfavorecidos, entregaríamos nossas roupas para os maltrapilhos e abrigaríamos em nossa casa os peregrinos. Haveríamos de investir no que é breve para desfrutar o perene, mas a incerteza nos aflige por vivermos em um mundo tão desigual, e apesar de relativa comoção a dúvida nos impede de reagir. Mas o homem pratica a caridade de maneira controlada à sua capacidade de se doar para assim suportar tanto sofrimento, pois compensaria o suicídio econômico se toda miséria fosse apagada, mas somos gotas no oceano, insignificantes a tanto sal.
A caridade tem valor relativo, porque ao homem cabe mensurar a quantidade, mas a Deus cabe enxergar a intenção e a bondade, visto que a verdadeira caridade não procede como querendo comprar indulto, mas da fé amadurecida, que nas noites reflete a existência de Seu reino, e de dia naturalmente a pratica. É o exercício da fé que leva à caridade e não o inverso, pois nela cremos no que não vemos e depositamos nossos esforços num prognóstico, pelo qual perceber a Deus e o sobrenatural seria como invalidar a aposta por conhecer o resultado prévio; o diferencial dos homens está na fé, que por acreditar no incompreensível se anima na caridade, no jejum, no amor e na oração.
A oração e adoração cabem direcioná-las a Deus, porém só a crença não constrói, é vazia se não exercida com a prática da caridade, porque só quando se percebe o semelhante como igual extensão do reino de Deus, zelando pelo reino e acreditando de fato na existência desse reino, deixa-se de ser individualista, pretensioso, para então praticar a doação como consequência. Muitos se afundam na crença querendo ser santos, esquecendo-se dos demais para tornarem-se o centro de tudo. Enquanto egoístas, permanecem insensíveis para perceber idêntica participação alheia sem comover duros corações a se entregarem apenas por fraternidade, mas no ensinamento da Luz o único excesso que não prejudica é a prática da caridade.
A doação tem por princípio a unilateralidade de quem a faz, quanto à forma e à quantidade, pois do contrário, perde o cunho de espontaneidade e se torna extorsão. No entendimento de praticar o bem, dê ao homem o leite, e a vaca dê-lhe o pasto, pois que já não bebe seu próprio leite, e assim não te frustrarás para então satisfazer aos três. O exercício da caridade é mais difícil do que parece e não requer apenas a doação de si, mas também a sensibilidade para saber agir somatoriamente às causas, pois que o bem não acontece simplesmente, é força ladeira acima que se conquista em cada gesto, e se nós que somos humanos e imperfeitos admiramos o bem, maior encantamento causará a Deus.
Mas os homens têm planos de vida cujos projetos mundanos se sobrepõem ao espírito que se mostra incerto, e assim, vivemos um pêndulo oscilante entre a doação e o egoísmo; somente os que abdicarem integralmente de toda conquista terrestre poderão se aproximar plenamente do Eterno, porque Eliseu entregou seu corpo a Deus, orou e o machado flutuou. Todo apego a matéria o distancia da elevação do espírito: a comida, o sexo, a vaidade, o conforto, o atrairá na direção oposta. O sentido da frase do Mestre de que “é mais fácil o camelo passar pelo fundo de uma agulha que o rico entrar no reino dos céus” não despreza o dinheiro, apenas repreende a desatenção a Deus que o dinheiro exige, pois o rico que não se empenhar na administração de seus bens logo ficará pobre. Por essa razão o Mestre encurrala os ricos a não adentrarem o paraíso, pela severidade impressa aos irmãos em glória dada à matéria.
Na oração ao Pai, pedimos pelos anéis e nos esquecemos dos dedos, na verdade, muito clamamos pelo corpo que é efêmero e descuidamos do espírito que é eterno. A parábola do paralítico que sobrepuja as telhas registra um incrível esforço de fé, ao que para as pessoas sãs já seria fantástico, mas também demonstra a ignorância numérica de preferir o resto da vida com saúde para andar ao que pudesse ser a remissão dos pecados na eternidade, pois qualquer coisa que se possa comparar em nossa dimensão será sempre um número mensurável, que dividido pelo infinito tempo se reduz ao nada. Essa matemática de compensações leva a percepção de que nosso imediatismo obstrui a fé, pois nossos dias na Terra já estão contados e o sofrimento tem o tempo certo de acabar, mas ainda assim julgamos valer mais que a eternidade.
Os que julgam haver uma trama do mundo espiritual sobre o mundo material estão bem fundamentados quando imaginam que o Mentor dessa trama seria também capaz de resgatá-los em memória e sentimento. Por outro lado, os que entendem que os homens sempre agraciaram deuses e que a sobrevida é apenas uma ficção da ascensão intelectual humana, percebem que todas as religiões existentes tiveram a função precípua de uma agregação comportamental em suas sociedades. Ambas as vertentes se chocam frontalmente, pois no comportamento mediano prevalece o bom senso, ponderando as duas hipóteses pendularmente na busca de oportunidades, sendo que na vinculação dos mundos não há espaço para o bom senso, pois aquele que quiser ganhar a vida, a perderá, e aquele que a perder, a ganhará.
Também devemos considerar que o paradoxo da pedra não pode fragilizar a onipotência de Deus pela impossibilidade de congregar o poder de criar uma pedra tão pesada que Ele próprio não possa erguê-la. Na verdade é apenas um dilema que impõe a inadmissibilidade à própria condição, circunspecto a inteligência humana, pois não podemos restringir o poder divino à nossa compreensão. Deus pela própria coerência conceitual é pleno de poderes, e nós somos incapazes de entender o livre arbítrio diante da Sua onisciência, pois se tudo sabe estaríamos predestinados a realizar Seus prognósticos. Mas sob a premissa da Teoria da Relatividade que agrega tudo, Deus é passado, presente e futuro ocupando a totalidade do universo que se curva e se integra com a dimensão temporal.
Em nossa pequenez intelectual antevemos que o animal faminto comerá a comida que lhe dermos, e embora não tenhamos interferido em sua conduta sabemos equivalentemente prever seu comportamento. Nossa pequena inteligência em prognosticar as ações dos animais inferiores não fere o livre arbítrio de suas reações instintivas, é apenas um diferencial intelectual que entende os fatores hormonais e circunstanciais que intervirão no direcionamento do ser mais rude. Tanto a inteligência humana quanto a dos animais são parâmetros intermediários de uma escala intelectual, cujo ápice nos é desconhecido, mas que por conceitos pertence a Deus, ou do contrário não será Deus, mas apenas um ser em evolução. Portanto, se apenas por sermos um pouco mais inteligente que o animal nos é possível prever suas ações, nenhum conflito há na onisciência de Deus sobre o nosso livre arbítrio.
Assim convivem em harmonia ambos os conceitos, porém o livre arbítrio é de fato ferido quando a ação ou decisão futura é previamente revelada, a exemplo de quando o Mestre predestinou Pedro a mentir e Judas a trair, e esta é a razão pela qual o futuro é velado, como forma de resguardar o livre arbítrio, pois a revelação destitui a fé de gerar ações espontâneas para realizá-las sob coerção emocional, como também suprime a culpa por agir de forma predisposta, direcionado por uma força maior que seu poder de escolha. Desta forma, se o futuro estivesse descrito em um livro não poderíamos alterar o roteiro de nossas ações e seríamos atores a cumprir um enredo predeterminado. Não caberia julgamento aos nossos atos, mas apenas à qualidades intrínsecas de nossas execuções, assim como os grandes atores possuem desempenho dramático de seus scripts.
A partir deste pressuposto entendemos que a interpretação popular pode haver distorcido a imagem do traidor, que sofre uma dor emocional muito maior que toda dor carnal, pois acumula o infinito remorso de cutelar pessoalmente ao Mestre. A quem coube profeticamente assim encenar, traz em seu destino toda malignidade que lhe está reservada por ser incapaz de alterar seu próprio trajeto, torna-se fiel a executar o refugo dos atores, não cabendo culpabilidade nem juízo de sua consciência, já que por ela agiu sem chances de redirecionamento. Em princípio, a responsabilização é total e exclusiva em cada ato, ou gesto, mas admitindo uma ingerência de variadas ordens, o grau de culpa está limitado à parcela que cabe ao seu ser mais íntimo. Desse modo, todo repúdio a pessoa do traidor se perde de sentido, e válido seria repudiar o papel que cumpre no figurino de homem encarnado, já que como espírito deve estar provido de seus méritos pela dor que se pôs a carregar, ou do contrário, perderia o sentido de justiça pela imutabilidade das cenas. No entanto, a incoerência no que é por princípio perfeito, serve para demonstrar que das doutrinas devemos primordialmente extrair sua essência.
O perdão humano vai até onde a viabilidade social alcança, e tudo que possa ser reversível é digno de ser relevado; mas em relação ao agravo que consome a paz, todo aquele que desacredita em uma justiça divina futura poderia tomá-la com as mãos e exercer agora o que se perderá no tempo, pois a justiça dos homens é incompetente, apenas nos faz acreditar na punição dos crimes, quando sua maior parte não encontra imputabilidade. Porém, atentai-vos a Eliseu, fazei o bem a quem te faz o mal, porque a vingança é prerrogativa de Deus que abençoa os que abençoam seus veneradores, e amaldiçoa quem os amaldiçoa, então melhor fazer da vossa vingança moeda de troca porque clamas pelo perdão na mesma medida com que perdoas. Genericamente, todos aqueles que crêem que a mãe natureza, ou o Pai criador possa de alguma forma compensar as desigualdades vividas, são cordeiros dóceis que alicerçam pirâmide para lobos.
Nessa grande alcateia, bem aventurados os caluniados, os estuprados, os extorquidos, os enganados, os subtraídos, os flagelados, os desnutridos, os que morrem a espera de socorro e os que socorrem os que irão morrer, pois estes não encontrarão justiça neste mundo, só Deus para redimi-los. Mas é preciso seguir em frente esvaziado do ódio, com o coração sereno, e ao se amolecer o coração as pedras viram espumas e já não mais machucam. Quando o revide vai além das palavras, a ofensa cometida cresce em proporção e se perde de harmonia, mas se aquele que receber três pedradas, responder com duas pedras apenas, é possível que do outro lado também haja um homem de boa vontade que responda com uma única pedra, para novamente contra atacar sem pedras, até que progressivamente cesse a agressão e possam se dar ao diálogo e a compreensão, e assim sejam bem aventurados os homens de boa vontade!
Pela busca da fraternidade clareia e adoça tua palavra, para que o verbo não fira ainda que acobertado da verdade e da razão, e desse modo em algum lugar haverás acumulado um tesouro. Também é preciso estar atento por orar e vigiar, porque nós humanos não percebemos quanta destruição pode acontecer em menos de um segundo. O desafio está em orar pelos inimigos, rogar a Deus que lhes conceda saúde e vida longa, a fim de que possam compreender o seu ódio em vão, pois nas orações ao Pai clamamos pelo perdão no calibre justo ao que perdoamos, embora a grandeza de Deus alcance perdão infinitamente maior, como maior é Sua misericórdia.
Bem aventurados também os que buscam a verdade, porque contra o homem sábio a mentira é arma que só se usa vez! É incômoda por requerer permanente vigilância para sustentar-se em sua falsa coerência, enquanto a verdade é confortável por ser natural, flui a favor dos homens e estes lhe correspondem caminhando em sua direção. Bem aventurados os mansos, porque o ódio tem uma característica retrograda voltada a um acontecimento passado, enquanto o amor é futurista, alicerça o por vir, em que o perdão é a transição, e já que somos todos errantes, é a única chance que nos resta. Talvez as bem-aventuranças indiquem que as forças do Pai agem sob uma lei de causa e efeito, num circuito fechado que se auto induz como um ábaco somatório do bem e do mal, mostrando o universo como um módulo mais que contínuo, crescente, de ações produtivas e improdutivas, onde o infortúnio é o descarrego da maldade cometida que gera a continuidade do sistema nesse estágio ainda imperfeito, pois que se não há erro, não há perdão, e fora do perdão a massa é densa, é puro sofrimento.
O espírito está para o corpo assim como o corpo está para a roupa, um é sublime enquanto o outro é fútil. É mais sábio preferir estar mal vestido e são a estar bem vestido e doente, portanto, lembra-te da palavra do Mestre, que se tua perna é motivo de escândalo arranca-a de ti, pois é preferível entrar coxo no reino do céu a que todo teu corpo seja lançado ao fogo. Ao abdicarmos da roupa valorizamos o corpo e igualmente se restringimos o corpo enaltecemos o espírito. As sensações derivam do corpo a que nos prendemos e o jejum além de ativar metabolismos orgânicos em desuso, é aço que corta o vínculo do pensamento ao corpo e atua como bálsamo na dissociação do espírito. Assim o jejum que limita o alimento do corpo vivifica o espírito, faz-nos lembrar de que apenas as sensações podem sobreviver e que um dia a roupa, o corpo e toda matéria se deteriora. A dor sensibiliza e leva ao crescimento por demonstrar na pele a vulnerabilidade da carne, nesse aspecto ela de fato engrandece, porque faz enxergar o que já existia e não era visto, mas não pode haver crescimento nem elevação no flagelo. A dor e o sofrimento não são cultos à divindade, pois o Santíssimo desprezou o sacrifício e considerou a misericórdia, além de que o homem ao evoluir em conhecimento diminui seu sofrimento contornando as doenças e aliviando as mazelas sociais, não poderia assim estar se afastando de Deus.
Não seja tu mesmo teu maior algoz, pois será chamado à responsabilidade daquilo que emanas e teus frutos nada valerão se não estiver dentro de ti a imensa vontade de realizá-lo; seja tuas obras a consequência natural de tua vontade interior, sentimento pelo qual moldarás tua essência e teu espírito. Portanto, vigie a tua essência mais do que os feitos que realizas; pense no bem, se alegre com o bem, te atenhas ao bem, para que naturalmente pratiques o bem. Seja teu labor mera decorrência emanada do teu ser, pois não se compra indulgência para a blasfêmia premeditada, tampouco se adquire merecimento acintoso, porque teus atos podem estar mascarados, mas é teu íntimo que resplandece tua alma. Teu interior deve ser todo bom e todo puro para que te aproximes do Altíssimo, e se não for assim tuas ações são fúteis, pois aquele vive pela matéria não obterá diligência do espírito, mas aquele que vive para o espírito, este o escutará em seus menores soluços.
No Estado Teocrático é devido o dízimo para que os sacerdotes nos revertam em atendimento ao corpo e à alma, mas no Estado Republicano devolve a casa do Pai pelo menos um dia de trabalho a cada mês, e não te iludas em oferecer o cabrito manco, ou dar aquilo que não te faz falta, mas faze-o porquê assim te alegras em servir ao Senhor. Ama teu irmão, porque se ao irmão realizamos o bem e desejamos o bem, então lícito também é o prazer de nos divertirmos, de comer e de beber, porque homens sagrados beberam, e nenhum mal pode haver na bebida quando festeja em família, livre do desejo e da inveja. O mesmo que pensar que a vida possui um sentido liberto, em que a alegria de viver é um estado voltado à fraternidade, mas sem esquecer-se de nós mesmos, ainda que seja pelo fino bálsamo aos pés.
Crer em Deus e na prorrogação da vida é um estado pleno de alegria, é um estar permanente de felicidade, pois quem verdadeiramente acredita não se entristece quando o cônjuge adoece, quando a filha padece, quando a avó desobedece, nem quando o mundo esmorece e a carne apodrece. Acredita e confia num plano maior, e aguarda pela consumação da justiça nas mãos do Criador, que como Ser pleno de bondade preza tanto o amor quanto a alegria. Nesse entendimento, atente que o próprio Mestre do alto do madeiro clamou o abandono do Pai, mas Suas palavras não são palavras de dúvida, pois o Cordeiro requereu Sua realeza profetizada nos salmos do rei Davi mil anos antes de Sua vinda. Ele conhecia sua sina de martírio e reafirmou sua predestinação, pois onde se lê “Eli, Eli, lamma sabactani”, considere a Sua humildade e entenda “Eu sou a semente do Senhor”.
No ensinamento do Mestre não viemos a este mundo para julgar, mas se acaso o fizermos, com os mesmos critérios também seremos julgados, compreendendo assim, que aqueles que não julgarem também não sofrerão julgamento algum. Desta forma, a noção do evangelho faz ver o amor onde se via o ódio, e mesmo o pequeno austríaco é digno desse amor, já que sua aparente monstruosidade completou a palavra sagrada que é usada no plural para dar número às guerras. Tornou-se assim um benfeitor para a humanidade, ao dispensar-nos da obrigatoriedade fatídica de um confronto por vir, visto que sua ação culminou por extirpar a singularidade do termo, empregando o s para pluralizar a palavra guerra, cumprindo a propalada inerrância profética de que nenhuma letra passará.
Ainda que se questionem a maldade contida na 2ª Grande Guerra caberia imaginar nosso mundinho ideal sem a ocorrência e a experiência atroz vivida em um cenário geopolítico repleto de bombas de hidrogênio, mil vezes mais potente que as primeiras bombas atiradas em Hiroshima e Nagasaki. Hoje, consciente da repercussão indecorosa das calamidades atômicas podemos enxergar tal horror como uma benfeitoria necessária, porque o homem tornou-se consciente do seu potencial maligno e se preparou para o loteamento balístico, precavendo-se de exterminar todo o planeta em uma guerra futura. Da necessidade de sua ocorrência, aconteceu que o término do sofrimento se deu pela culminância da tecnologia nuclear mais branda, pois é sabido que do confronto bélico entre as atuais nações a totalidade dos seres humanos seriam exterminados. Portanto, não queiramos ser mais santos que os santos ao criticar o estrondo e o estrago nas bases militares japonesas, pois há coisas que necessitam ser vividas e a bondade de Deus está em minimizar seus efeitos.
A adoração maior voltada ao Todo Poderoso pode ser condição indispensável para uma aliança, mas por certo não é exclusiva porque se nos acolhêssemos em orações monasteriais que tornasse a Terra repleta de templos de culto, criaríamos uma obsessão divina que tomaria horas dedicas à ciência já que o dia tem seu tempo certo. Tal louvor pleno nos estagnaria a uma era rude de conhecimento limitado como éramos no passado, e o direcionamento da inteligência na busca do conhecimento implicaria numa desatenção para com o espírito, pois quando o homem trabalha a ciência o faz em benefício próprio já que o conhecimento adquirido a Deus nada Lhe acrescenta. No entanto, ao Pai e ao Filho agradam a ciência, o conhecimento e a verdade, porque o próprio Santíssimo ensinou ser Ele o caminho e a verdade, e que ninguém vai ao Pai senão por meio de seus ensinamentos. Lembremos que o dominador prega a crença para vos dominar, mas o libertador vos ensina a ciência porque é o caminho natural da verdade, e que tanto agrada a Deus.
A maldade é insumo para a construção do mundo, pois só na convivência simultânea dos homens bons com os homens maus é que se podem reunir comandantes e comandados, exploradores e explorados, para o alcance dessa empreitada. Se Deus que é infinitamente bondoso nos expôs ao martírio em prol da edificação do planeta, então é porque a evolução de nossa sociedade está ligada aos Seus planos, sendo Seu desejo uma veneração concomitante com o desenvolvimento científico, que requer desvio do tempo de adoração para o tempo de estudo. Portanto, Deus não pode se desagradar de nossa atenção à ciência que estuda e controla as enfermidades, que leva o homem à lua e que disponibiliza o conhecimento às pessoas comum. É apenas a vontade de descobrir a verdade incutida em nosso espírito pelo próprio Deus, que se alegra quando nos aproximamos de Sua onisciência.
O crescimento tecnológico atribui concentrado poder às sociedades, mas também ao indivíduo, pois sua crescente escalada a partir do arco e flecha culminou na pólvora, nos canhões, nas balas encadeadas, nas metralhadoras, nas armas químicas, nucleares e bacteriológicas; esta última com requinte de portabilidade capaz de desafiar protocolos governamentais ao se disponibilizar em favor do terrorismo. Isso porque pequenos volumes alcançam grandes extensões pela capilaridade de seu efeito de proliferação, fazendo-nos entender as atuais ações terroristas como brandas lições se comparadas ao risco biológico futuro. Talvez este seja o alcance da parábola do Jardim do Éden, da árvore do conhecimento e da maçã proibida, que nos adverte de um poder destrutivo voltado contra nós. Tal cenário acena que o homem ficará refém de si mesmo e para alcançar unidade enfrentará a destilação teológica, imposta pela condição impar que aos cristãos foi transmitida da prerrogativa de seu emissário como filho de Deus. Nada arranhará o esplendor que o Mestre nos irradiou, mas precisamos refletir que a história contada nos remete a uma condição beligerante.
Os guardiões dessa história atravessaram o mundo feudal marcado por um clero devasso e deslumbrado pelo poder quando deveria imperar a humildade. Hoje, vemos uma igreja que quer ser santa, mas ainda imperfeita, que antes de reconhecer seus pecados passados nos acusa da ausência na messe, ou da falta do dízimo, como uma repetição histórica de um massacre moral pela obtenção de bens e patrimônio. É óbvio que cada obra demanda recursos e foram das indulgências pagas que se alcançou toda a extensão do ocidente e se infiltrou no oriente, mas nos choca a forma contida de ilusão e o menosprezo ao próprio Deus perante as ofertas e doações. Hoje reconhecemos a igreja como suprema adoradora da memória do Cristo, mas indigna de fazer de si um baluarte contra o pecado, quando dentro de seus muros moram a luxúria e a soberba; proferem as palavras do Mestre, ornados em ouro quando o próprio Messias entrou em Jerusalém montado num filhote de jumento. Embora a igreja tenha exercido eficazmente sua função disseminadora da mensagem evangélica, por hora cabe devolver ao mundo todos os registros da fascinante história de seu protagonista para que possamos ratificar, ou retificar suas manobras de interesse.
O Messias nos incumbiu de levar Sua mensagem aos recônditos da Terra, a todos os povos e nações para que os homens na condição de criatura usem de sua intuição para procurar o Criador. Este é o caminho do desapego, do abandono da matéria em busca do espírito, de não se iludir com o efêmero mundano, mas de preferir o perpétuo sagrado. Mas hoje tudo se resume a tradição, montada em livros escritos pelos homens e editado pelos homens, com os erros dos homens e na versão dos homens contando a história de Deus. O livro velho não comoverá duros corações em sua terra, nem no oriente; se tornaram palavras desconectadas da mensagem do espírito, porque já não creem em espírito. É preciso primeiro ensinar as letras para depois ensinar a ler; é necessário que o homem releve o espírito para que possa pelas coisas de Deus se interessar.
No antigo Egito o Livro dos Mortos era o mais caro objeto requerido para ser depositado nas tumbas pelos préstimos e instruções sobre o mundo do além, mas hoje o tema da morte é sinistro e desagradável, como se alguém escapasse de seu processo de transição. A engrenagem moderna elevou o fútil a necessário e o trivial a acadêmico, valorizou a ascensão social e constrangeu a morte como o pior dos castigos. As coisas do Alto estão esquecidas e desvalorizadas e só nos lembramos do Pai diante da necessidade; nessa hora é nos dada a chance de aproximar d’Ele fazendo-nos parecer chamados à Sua presença, mas o espírito apesar de comum a todos os humanos, se faz notar por poucos, pois a grande maioria dos homens procuram explicações às coincidências mundanas para desconsiderar a Deus, quando na verdade a grande pergunta não se refere a ação de Deus, mas a existência de um encontro com Ele após a vitalidade do corpo. Falam de um reencontro entre antepassados e contemporâneos que poderá ser considerado como um grande banquete, do qual não almejamos lugar de honra à mesa, mas ainda que como garçon queremos estar a servir outros maiores, no entanto, anunciam uma festa em que haverá um esplendoroso congraçamento, mas discutem os canapés sem nem terem recebido convite.
As coincidências são raras, mas quando acontecem podem parecer benção, ou maldição, conforme seu proveito. Os casos de catalepsia parecem recheados de um sobrenatural, quando na verdade são acasos da matéria que nos faz crer em uma intervenção divina. Por isso, o retardo do Mestre de quatro dias para ir ver Lázaro, putrificado, para que a glória de Deus não seja confundida com a suspensão dos movimentos de uma síndrome nervosa, e então possa dar prova de um sobrenatural capaz de reverter a deterioração da matéria. Liberte-vos da matéria que o espírito vos aguarda, e vos espera segundo as leis do mundo de lá, onde infinita é a misericórdia do Pai, mas sempre sujeita a verdade e a justiça. Abre o coração para o mistério e sonda o imponderável, procura a Deus enquanto ainda O podeis encontrar, porque Ele te quer, seja crente, seja ateu, mas te vomita desatento.