A Bíblia entendida como registro escrito da palavra de Deus inicia seu traçado com Moisés descendo o monte Sinai com as tábuas de pedra contendo os dez mandamentos. Posteriormente papiros e pergaminhos complementam a manifestação divina evidenciando a história do povo hebreu e sua saga de lutas e dominações, proezas e abominações consumadas em mais de três milênios de existência.
A árvore bíblica possui raiz na tradição suméria que no 3° milênio AC escreveu em tabuletas cuneiformes a Epopéia de Gilgamesh, uma história que fraciona o protagonista entre deus e o humano, fazendo menção a uma enchente devastadora e a construção de um barco que acolhe sobreviventes, numa nítida semelhança com o dilúvio, Noé e sua arca. Posteriormente Gilgamesh consegue uma planta que lhe daria a imortalidade, mas por descuido é roubada por uma serpente, fazendo nova alusão a sedução do Éden, denotando episódios comuns para a ficção criacionista.
O Antigo Testamento foi originalmente escrito em hebraico consonantal, que se modificou com a influência dos povos dominadores, quando os hebreus foram cativos de egípcios, assírios, babilônios, persas, macedônios e romanos. A constância de conflitos, fugas e destruições danificaram os originais do Velho Testamento em hebraico e a versão mais completa que subsidiou muitas traduções foi a “Septuaginta”, escrito no idioma prevalente à época, o grego popular conhecido por koiné, e foi redigido por encomenda do rei Ptolomeu II para compor a Biblioteca de Alexandria. Sua história remonta o século III AC quando Ptolomeu libertou 100.000 escravos judeus para sensibilizar o sumo sacerdote Eliazar a traduzir um exemplar do cânone hebraico, sendo designados 72 escribas que trabalharam 72 dias, e dessa coincidência numérica deriva o nome do códice.
A septuaginta abre o rol das adulterações quando Eliazar deu ordens aos escribas para resguardar dos blasfemadores o tetragrama sagrado com o nome do Altíssimo, sendo em seu lugar usado expressões de “Deus” e “Senhor” que se disseminaram nas retraduções seguintes.
Após o período messiânico as versões do Novo Testamento se propagaram pelo território romano em meio pagão. Dezenas de evangelhos com particularidades próprias foram escritos e embora fosse coesos quanto à realização de milagres, a crucificação e a ressurreição, variavam sobre detalhes e contextualizações que dão margem a interpretações conflitantes aos preceitos dogmáticos. Esses evangelhos foram traduzidos para o grego koiné, embora tenham sido originalmente escritos em aramaico, idioma falado pelo povo judeu resultante da influência estrangeira, utilizado pelo próprio Messias em Suas pregações e rotinas diárias; nessa época o hebraico era usado apenas nas liturgias.
Seus autores foram os apóstolos, os contemporâneos do Messias e a primeira geração de historiadores que não objetivavam incorporá-los ao Antigo Testamento, nem a vir a formar uma bíblia, eram apenas o testemunho pessoal daqueles que conheceram, ou ouviram falar das obras do Messias e que o avançar da idade os levaram a deixar um registro físico de Suas histórias.
Enquanto o judaísmo pregava a preservação da raça, o cristianismo era aberto aos gentios, universal e livre das prescrições mosaicas. Esse desregramento foi razão da primeira grande reunião das lideranças cristãs, chamada de concílio, mais conhecido por Concílio de Jerusalém, quando se deliberou que a conversão ao cristianismo dispensava preceitos da cultura judaica, inclusive da circuncisão.
O cristianismo foi combatido com uma desmedida perseguição, mas todo massacre teve fim no ano 312 quando recebeu a adesão de Constantino I, imperador romano que na noite de véspera da derradeira batalha da Ponte Mílvia, em sonho recebe uma visão de que sob o símbolo da cruz venceria a batalha. Na manhã seguinte ordenou que pintassem uma cruz nos escudos dos soldados, e sob inferioridade militar conseguiu esmagadora vitória diante do exército de Magêncio, imperador romano em disputa pelo império.
No ano 317 Constantino adota símbolos cristãos no comando do império, como o “X” e o “P” entrelaçados (letras gregas do nome do Messias), fazendo o cristianismo crescer em número, mas não em qualidade, pois houve um assédio pelos pagãos ansiosos de poder. Sem rivalizar com a cultuação dos deuses pagãos que se encontrava amplamente disseminada, sua estratégia foi de meação entre as religiões, como a instituição do dia 25 de dezembro para a data de nascimento do Messias, combinando a festa cristã com a festa de renascimento do Sol. Também foi meeiro ao promulgar o Édito de Constantino no ano 321 quando instituiu oficialmente o domingo como o dia de adoração e repouso semanal, contrário a preceituação sabática, mas coeso com a tradição pagã.
Sobre a datação do dia 25 de dezembro para a festa do deus Sol cabe acrescentar que o berço da civilização ocidental localiza-se acima do Trópico de Câncer, região acirradamente marcada pelo frio, cujas religiões pagãs festejavam o fim do inverno e a retomada do calor. No antigo Egito o deus Sol era conhecido por Horus, que três dias após o solstício de inverno recompõe o movimento inverso anunciando dias mais longos e quentes com maior exposição no céu.
No hemisfério norte o solstício de inverno ocorre predominantemente no dia 21 de dezembro e após três dias de paralisação (22, 23 e 24) o sol retoma o movimento aparente contrário, ao que é interpretado como um renascimento, sendo decretado o dia 25 de dezembro a festa de ressurreição de Horus, com um gradual aumento do tempo de exposição até atingir seu ápice no solstício de verão. Portanto, vê-se no paganismo a crença de morte e ressurreição ao terceiro dia do deus sol, adaptada a nova cultura cristã sobre o império romano.
Com relação ao descanso dominical é preciso lembrar que quando Constantino o editou vigorava o calendário Juliano, e que bem mais tarde na 5ª feira de 04 de outubro de 1582 foi instituído o calendário gregoriano, sendo estabelecido que o dia seguinte fosse uma 6ª feira de 15 de outubro de 1582, sendo assim, suprimidos os dias 05 a 14 de outubro daquele ano. A correção desses 10 dias teve como objetivo anular o avanço das estações, já que o calendário Juliano contemplava o ano bissexto ininterruptamente, ou seja, a correção gregoriana veio para dar um ajuste fino no período de translação da Terra que não são exatos 365,25 dias, mas 365,2422 dias. Assim, a nova contagem definiu que aos anos fim de século não se acrescentaria o ano bissexto, mas nos anos fins de século múltiplos de 400 se manteria o ano bissexto, e nos anos múltiplos de 3.200 novamente não haveria ano bissexto, e por fim, aos anos múltiplos de 80.000 manter-se-ia novamente o ano bissexto. Essa nova formatação conservaria fixo o equinócio da primavera em 21 de março.
Portanto, voltando à preceituação sabática versus dominical, é descabida qualquer justificativa sobre a alteração na datação, pois a adoção do calendário gregoriano trouxe um avanço na contagem dos dias do ano, mantendo inalterada a seqüência semanal dos dias, isto é, o sétimo dia após um sábado continua a ser sábado. Evidentemente persiste uma ofensa no Édito de Constantino ao 4° mandamento divino ditado a Moisés, mas muitos foram os arranjos, as ocultações e deturpações para erguer o monoteísmo cristão em meio pagão.
Sobre a demarcação do tempo no império romano, esta se baseava no ano de fundação da cidade de Roma, Anno Urbis Conditae (AUC), equivalente a 753 AC, mas o monge Dionísio através de sua tabela de páscoa, Liber Paschate, propôs no ano 525, ou ano 1.278 AUC, o Anno Domini, o ano do Senhor, se tornar referência cronológica na datação de eventos. Gradualmente historiadores e autoridades passaram a identificar datas com base no Anno Domini, partindo da Itália para Inglaterra e toda Europa Ocidental, alcançando a Rússia por volta do ano 1.700, e atualmente é adotado pela ONU em todos tratados internacionais. A consistência de Dionísio provém da citação de Lucas ao 15º ano de reinado de Tibério César em relação à idade de trinta anos do Messias; porém, Mateus referencia o Seu nascimento ao reinado de Herodes, que tem sua morte documentada ao ano 4 AC, indicando o nascimento do Messias para o ano 5, ou 6 AC. Como o reinado de Herodes está sucintamente descrito pelo historiador Flávio Josefo, estudiosos creditam maior probabilidade que no micro milésimo de segundo do marco zero o pequeno Messias já contasse com 5, ou 6 anos de idade.
Constantino enxerga o cristianismo também como uma opção política para unificação do império, e qualquer cisma que fragilizasse a nova religião poderia também ameaçar a estabilidade de seu governo. Nessa seqüência de acontecimentos surge uma corrente de pensamento comandada pelo presbítero Árius, negando a consubstancialidade entre o Filho e o Pai por entendê-la como uma ofensa ao monoteísmo. É vista como uma adoração não direcionada a Deus, idolatria das fraquezas humanas querendo se proteger de todos os lados e assim se cercam de defesas ao alcance de seus sentidos mundanos, abandonando naturalmente o conceito do Deus invisível e indivisível. Tal vocação é constatada no Aerópago de Atenas na criação do santuário ao deus desconhecido que por precaução era idolatrado como forma de garantir que nenhuma divindade fosse esquecida no além.
Os argumentos de Árius se baseiam em Deus espírito que adentra a matéria através de Seu Filho e se sustenta em narrativas como “Se vocês me amassem, ficariam alegres porque eu vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu”, ou o desconhecimento do Filho a respeito de Seu próprio retorno, de conhecimento exclusivo do Pai, do qual nem os anjos do céu o sabem, e se o Filho não sabe o que o Pai sabe, não compartilha do mesmo conhecimento. Por outro lado, a corrente trinitarista também está fortemente embasada nas três entidades nomeadas ao batismo no epílogo de Matheus, embora sejam fortes os argumentos que tenha sofrido algum alongamento na fórmula batismal.
Esta ruptura conceitual ameaçava os alicerces da Igreja que lutava para se impor ao paganismo romano, e ante o perigo de fragmentar o próprio império, Constantino conclamou no ano 325 uma reunião dos prelados, para o que viria a ser conhecido como o “Primeiro Concílio de Nicéia”. As idéias arianas abalavam o conceito trinitário e a possibilidade de unificação do império, razão pela qual Constantino interpelou de seu poder para impor o dogma da trindade, exilando bispos da corrente ariana, com ameaças e destruição de documentos.
Compareceram ao Primeiro Concílio de Nicéia os mais influentes bispos, (uns 320 em relação a um total de 1.500) além de presbíteros, diáconos, e delegados representantes do papa Silvestre, impossibilitado de comparecer pelo avançar da idade. Foi tratada a consagração da Santíssima Trindade e em seguida estabeleceram o cânone sagrado do Antigo e Novo Testamento, refinando a esse último os quatro evangelhos de Matheus, Marcos, Lucas e João. Outros livros considerados heréticos como as Cartas de Clemente, o Evangelho de Pedro, Evangelho de Maria Madalena, o Pastor de Hermas, o Didache, e outros muitos evangelhos foram excluídos por não serem considerados inspirados por Deus, são chamados de apócrifos, que significa “escondido/ocultado”.
Em pesquisa aos artigos teológicos, especialistas relatam a manipulação política no Concílio de Nicéia, já os pesquisadores mais parciais cogitam que há no máximo meia dúzia de frases no Novo Testamento realmente ditas pelo Mestre, e finalmente a percepção de boa parte dos estudiosos é que idealização trinitária buscava oferecer um status de maior glamour a toda história messiânica, cujo esplendor recairia sobre a própria Igreja.
Sendo o latim o idioma dominante do império romano, os evangelhos receberam traduções independentes formando a Vetus Latina, um apanhado de textos isolados acerca das narrativas messiânicas e apostólicas sem compor um livro, no conceito de capa dura e costurado a mão. Embora os evangelhos canônicos estivessem alinhados, as traduções avulsas para o latim fomentavam sua heterogeneidade, e tais discrepâncias provocaram o papa Dâmaso I a encomendar uma versão oficial e única que eliminasse tais imprecisões, e que mais tarde se tornaria conhecida como a Vulgata Latina..
A árdua tarefa foi incumbida ao Pe. Jerônimo que no fim do século IV viajou para Jerusalém para aprender o hebraico e lá viveu por quase 20 anos. A distância fez Jerônimo remeter dezenas de cartas a clérigos e amigos de onde se percebe o conflito de um tradutor encarregado de tão sublime missão, mas uma dessas cartas especialmente remetida ao papa Dâmaso evidencia o provável descrédito que sua versão mais fidedigna sofreria em comparação às primeiras traduções avulsas do evangelho. Jerônimo chega a lamentar-se passar por mentiroso e falsário diante das divergências que a nova versão enfrentaria quando comparadas às más traduções que até então eram tidas como corretas.
A Vulgata Latina é concluída no ano 405 e viria a ser a base bíblica futura, porém, as versões independentes precisavam ainda ser destruídas de modo a evitar contestações e promover coesão da história messiânica, o que levou a igreja iniciar um imenso cerco aos seus interesses ideológicos. Diferentemente da septuaginta, que se lastreou sob o aval de 72 escribas, a Vulgata foi escrita a duas mãos, sob controle único e exclusivo do Pe. Jerônimo, que apesar de santificado nos preceitua cautela.
Um exemplo da necessidade dessa cautela está na transliteração do nome próprio do Altíssimo e do Messias. Considerando que o Pe. Jerônimo se deteve por quase vinte anos a estudar o hebraico, é viável pensar que a tradução da Vulgata tenha bebido em fonte limpa, e assim a transliteração do nome do Eterno haveria de soar o verdadeiro nome em hebraico. No entanto, a transliteração do hebraico para o latim e deste para o português nos remete para o nome de Javé, ou Jeová, totalmente diverso do tetragrama sagrado formado pelas letras hebraicas “ י ה ו ה ” equivalentes ao YHWH, invertidamente escritos, da direita para esquerda e cuja sonoridade segundo tradutores judeus seria [iauê] para uns, ou [iarru] para outros, ou ainda [iárruê]. Igualmente corrompido está o nome do Messias que os rabinos e doutores do hebraico ensinam a pronunciar [iexua] para uns, ou [iaurúxua] segundo outros, o verdadeiro nome escutado da boca de Sua mãe quando criança.
No hebraico cada nome possui um significado e o tetragrama sagrado expressa uma flexão do verbo “ser”, cujo prefixo está escrito em três letras, sendo que a quarta letra denota a conjugação na primeira pessoa, “Eu Sou”. A tradução do hebraico para idiomas de origem latina requer uma transliteração, que é um método de levar a escrita em um tipo de alfabeto para outra língua com caracteres diferentes. Portanto, a transliteração de palavras comuns mantém o mesmo significado ao termo original, porém, no caso de nome próprio a transliteração se dá pela transcrição fonética, isto é, a manutenção da sonoridade original.
Ocorreu que as transliterações de nome próprio se ativeram às adaptações gramaticais de cada idioma alterando profundamente sua sonoridade. Um exemplo de nossos dias é o nome do cantor norte americano, que iniciou sua carreira ainda menino cantando com seus irmãos, de origem negra, mas se quis fazer de raça branca, amava as crianças e morreu com uma superdose analgésica. Não chamamos a ele “Miguel filho do operário”, mas mantemos a sonoridade original de seu nome na sua língua nativa, e em todos os países o som do seu nome é respeitado.
Atentemos que o poder de um nome não deve estar na pronunciação, mas na pessoa a quem invoca. Se pronunciarmos o nome do Santíssimo ainda que transliterado erroneamente, mas imaginarmos estar evocando aquele que nasceu da virgem na cidade de Belém quando as estrelas do céu guiaram os reis do oriente, aquele que foi batizado por João no rio Jordão e recebeu a pomba do Espírito Santo, aquele que andou sobre as águas e transformou-a em vinho, aquele comandou o vento, multiplicou os peixes e os pães, aquele que curou os enfermos, fez ver os cegos e fez andar os paralíticos, e ressuscitou os mortos, aquele que conhece e prediz as fraquezas humanas, aquele entrou na cidade de Jerusalém montado em um filhote de jumento e foi crucificado no governo de Pôncio Pilatos, e venceu a morte ressuscitando no corpo chagado, então mentalizamos a pessoa do Santíssimo que nos escuta e nos manifesta segundo a nossa fé.
Voltando à história bíblica, Constantino foi imprescindível no estabelecimento do cristianismo, não apenas estancou sua perseguição como também o implantou democraticamente dentro do império. Já seus sucessores o alavancaram com a força da espada: o imperador Graciano proibiu a realização de cerimônias pagãs em Roma, e o imperador Teodósio no ano 391 tornou o cristianismo a religião oficial do império, obrigatória, aniquilando todas as crenças pagãs do seu território. Teodósio marcou o início da era eclesiástica e da dominação papal, sendo o primeiro imperador a se submeter ao poder clérigo, acatando as repreensões do bispo Ambrósio, que retrocedeu em sua excomunhão.
Outro importante nome do cristianismo pouco conhecido e muito menos louvado é o de Charles Martel, que certamente é o responsável pela própria existência do mundo cristão. Sem a iniciativa de Martel as Igrejas Cristãs teriam sucumbido perante a invasão muçulmana no século VIII que encurralaram suevos e visigodos nas serranias Cantábricas, formando a resistência mais conhecida como o reino das Astúrias. Após a tomada da península Ibérica os muçulmanos tentaram invadir territórios francos quando enfrentam um exército mal treinado e em menor número, liderado por Charles Martel que através de táticas inusitadas consegue rechaçar a pretensão árabe de impor o deus de Maomé sobre o continente europeu. Nos séculos seguintes o principado asturiano consegue retomar os territórios perdidos dando nascimento aos reinos de Portugal e Espanha e os muçulmanos são definitivamente expulsos para o lugar de onde vieram, a retornar pra o norte da África passando pelo Estreito de Gibraltar.o:p>
Até o primeiro milênio as bíblias não possuíam subdivisões em capítulos e versículos, eram formadas pelo agrupamento de textos contínuos, e somente nos últimos séculos do primeiro milênio, em busca da fidedignidade aos textos massoréticos, iniciam sua escrituração subdividida. Continuamente, as bíblias passaram por atualizações e correções, desabilitando a própria palavra de Deus por contradizer Sua infalibilidade, pois cada alteração dá testemunho do que antes estava impreciso, ou era imperfeito.
Nos anos seguintes após inúmeras intervenções eclesiásticas, o papa Bonifácio I entende pela capacidade da igreja intervir no futuro das pessoas e das nações e emite um decreto atestando sua primazia que mais tarde viria a ser razão de racha na própria igreja. O rompimento ocorreu no ano de 1054 quando o bispo de Roma quis submeter sua liderança a todas as demais jurisdições, o que ocasionou a derivação da Igreja Ortodoxa do Oriente.
A igreja de Roma trocou excomunhões com a igreja ortodoxa, ambas querendo tomar posse da verdade, e agora é imprescindível que a grande guardiã abra sua biblioteca para que o mundo conheça a verdade e possa avaliar o corrompimento no livro sagrado, pois não valeria advertir que nenhuma palavra fosse acrescentada ou retirada, se não fosse da índole humana o fazer, derivando questionar a origem da frase mais cara de todo o compêndio, de quando o Messias entrega a Pedro o primado de Sua dinastia, dando sustentação a ascendência sobre os homens, e de onde exercerá todo o poder do Céu sobre a Terra. A dúvida tem procedência pelas atualizações cometidas, pelas discussões entre os apóstolos de sua própria grandeza e, sobretudo pela repreensão pública que Paulo faz a Pedro.
O cisma do oriente reduziu extensão e poder levando a Igreja Romana a uma postura mais firme e polarizada. De um lado a inquisição que combatia todo sectarismo com instrumentos de tortura, de outro lado a voz oficial que pregava o amor de Cristo. Este período está fortemente marcado na história da humanidade, embora mais impactantes sejam as visitas excursionistas aos porões dos palácios onde operou a Santa Inquisição da Igreja Católica, repletos de ferramentas, câmaras e inventos sórdidos voltados para a obtenção da dor. A inquisição precede o papa Gregório IX, é embrionária do ano de 1.022 quando foi instaurado o primeiro “Tribunal Público Contra Heresia”, na cidade de Orleans, na França, e persistiu como torturadora até o século XIX, sendo abolida com a expansão do Estado laico.
Nos anos seguintes a Igreja Católica se envolve com as investidas orientais, também chamadas de cruzadas, que foram movimentos militares de inspiração cristã, com objetivo declarado de recuperar o acesso à cidade de Jerusalém, e objetivo implícito de conter a expansão islâmica, que se infiltrara no norte da África, na Península Ibérica e grande parte da Ásia. A primeira cruzada decorre da exortação do papa Urbano II aos cavaleiros franceses recolocarem a cidade de Jerusalém sob domínio cristão; ocorre no período de 1.096 a 1.099 com a promessa papal de que todos que combatessem os muçulmanos seriam salvos no julgamento divino.
O termo “cruzada” não era empregado a época de sua ocorrência, e advém dos soldados afixarem uma cruz vermelha em suas roupas, vestimenta típica da Ordem dos Templários, formada de militares aspirantes a monges, com votos de castidade e pobreza. As cruzadas estão marcadas por exímia estratégia militar: de um lado os turcos exploravam os ataques rápidos, esquivando-se do combate pesado com os cavaleiros, de outro lado os templários aprenderam a influenciar e jogar os diferentes grupos árabes uns contra os outros; prática usada até os dias de Saladino, sultão que unificou os muçulmanos. A truculência foi outra marca das cruzadas, em intensidade a chocar os próprios invasores e a deixar uma indelével marca na memória árabe.
As investidas orientais se repetiram até mais da metade do século XIII, totalizando 8 ou 9 cruzadas segundo a ótica histórica. O saldo é um total fracasso quanto a conquista da cidade de Jerusalém, a rivalização das culturas muçulmana e cristã (muito mais por parte dos invadidos que dos invasores) e a ruína econômica da aristocracia européia. Positivamente destaca-se o fortalecimento da autoridade dos reis propiciando a formação dos Estados Nacionais em abandono ao feudalismo, a criação de novos comércios, novos produtos e uma nova cultura adquirida da convivência no mundo árabe. O objetivo real de conter a expansão islâmica foi retardado em quase mil anos.
A Igreja Católica também interveio nas traduções bíblicas a outros idiomas, queimando seus exemplares por enxergar nestas novas versões um ataque ao centro de poder por conter a palavra de Deus, retirando dos clérigos a capacidade de expressá-las pessoalmente. Documentos relatam a existência de traduções de partes dos Evangelhos e dos Salmos a diversos idiomas, citados entre o armênio, chinês, inglês, búlgaro, sérvio, russo, francês e árabe; porém, a bíblia de Wycliff foi a primeira tentativa de tradução da íntegra da Vulgata Latina para o inglês, estando sua obra amparada em fundamentos nacionalistas, apesar dela derivar o movimento lolardista, que requeria a reforma da Igreja. Por isso, John Wycliff é considerado por alguns o precursor da reforma protestante, ao lançar 18 teses condenando o poder político e econômico da igreja.
É fundamental frisar que Wycliff viveu os dias da guerra dos 100 anos, travada entre a Inglaterra e a França, e nesse período a Igreja Católica teve sua sede romana sequestrada para Avignon e todo recurso que favorecesse a igreja favoreceria o inimigo francês. O cenário em questão contribuiu na proliferação das idéias de Wycliff que não morreram consigo, continuaram a incomodar a Igreja Católica que o condenou como herege mesmo após a sua morte, exumando e queimando seu corpo, cujas cinzas foram lançadas nas águas do rio Swift; as suas bíblias escritas em inglês foram confiscadas e destruídas, embora muitas delas subsistam demonstrando a evolução na qualidade da tradução.
Ainda durante a guerra dos 100 anos, a Igreja Católica enfrenta o Grande Cisma do Ocidente, período em que a Santa Sé contava com dois e até três papas simultaneamente, posicionados em Roma, Avignon e Pisa. A confusão começa com o Papa Gregório XI retornando a sede papal de Avignon para Roma, que com sua morte é substituído por Urbano VI, cujo autoritarismo não é acolhido pelo Colégio dos Cardeais, vindo a realizar novo conclave para eleger Clemente VII que passou a residir em Avignon. Os papas excomungaram-se mutuamente e após a morte de Urbano VI assumiram em Roma Bonifácio IX, seguido por Inocêncio VII e finalmente por Gregório XII; em Avignon Bento XIII sucedeu Clemente VII. Paralelamente a tudo isso em 1409 ocorre o Concílio de Pisa que visando dar fim ao cisma pela destituição dos papas de Avignon e Roma, conclama um novo papa, Alexandre V, mas o tiro acertou o próprio pé e três papas passaram a reivindicar legitimidade pelo comando da Igreja Católica.
Alexandre V se estabelece em Pisa e com sua morte é sucedido por João XXIII e frente a esse trio último é realizado o Concílio de Constança no ano de 1414, com objetivo de findar o cisma papal. No ano seguinte é alcançado êxito em destroná-los, sendo João XXIII e Bento XIII depostos, enquanto Gregório XII abdica. Decorrido dois anos de vacância, em 1417 Martinho V é conclamado o novo papa para em Roma exercer o seu pontificado.
Superado o cisma do ocidente, a igreja enfrenta no século seguinte a revolta luterana que é historicamente marcada com o cravamento à porta da igreja de Wittenberg das folhas contendo as 95 teses desenvolvidas por Martinho Lutero. Esse movimento cresce e faz derivar progressivo ramo da Igreja Católica em oposição à mesma, que tem seu ápice conflitual na Noite de São Bartolomeu, massacre que resultou na morte de dezenas de milhares de protestantes, sob as ordens do rei católico francês Carlos IX, cuja mancha respingou sobre os católicos e sua própria igreja, por considerar que o rei era manipulável por sua mãe, Catarina de Médici, sobrinha neta do papa Leão X, o ultimo não-sacerdote eleito papa.
A reforma luterana, além da Alemanha, se estende pela Suíça, França, Reino Unido, Holanda, Bélgica, Hungria, Escandinávia e parte do leste europeu, incitando a Igreja Romana a abrir processo herético contra Lutero que culmina com sua excomunhão. Martinho Lutero busca exílio no Castelo de Wartburg ao centro da Alemanha, onde inicia os trabalhos de tradução do Novo Testamento para o alemão, resultando em uma disseminada propagação das cópias tipografadas. Diante do acesso direto aos Evangelhos escritos na língua nativa a adesão popular toma vulto intensificando o movimento reformista, e o casamento de Lutero com a freira Catarina inspira outros padres e freiras na adoção da reforma.
Nos primórdios a Igreja Católica cultivava uma tradição celibatária fundamentada na pregação dos eunucos e nas cartas de Paulo. Porém, essa tradição tornou-se regra a partir dos Concílios de Latrão, realizados nos séculos XII e XIII, visando a exclusividade à atenção eclesiástica. Facções da Igreja Católica insistem em rejeitar o fim da usurpação de seus bens e interesses pelos parentes dos clérigos como motivação da imposição celibatária, esquecendo-se que o Cristo era judeu e seus rabinos se casavam livremente. De fato, o Mestre ensinou que as imperiosidades carnais conflitam com a pureza espiritual, mas é bíblica a exortação para “crescer e multiplicar”, e as cartas de Paulo refutam o abrasamento, quando fora do matrimônio. Não nos diz respeito a opção celibatária de cada clérigo, mas muito nos incomoda a pose puritanista que assumem diante do homossexualismo e da pedofilia presente no meio eclesial.
Sem dúvida a bíblia alemã traduzida por Martinho Lutero influenciou outros nesta direção, e um destes seria William Tyndale que se empenhou em traduzir para o inglês o que seria conhecido como a “Bíblia de Tyndale”, expressão corriqueira, porém, incorreta visto que se limitavam ao Novo Testamento e algumas partes do Antigo Testamento. Tyndale igualmente enfrentou a Igreja Católica, suas cópias foram confiscadas e queimadas, e em 1.536 foi excomungado, enforcado e queimado na fogueira.
O resultado da reforma é que o protestantismo se ramificou em diversas regiões de modo a atender posições políticas conflitantes com a precursora Igreja Católica. Na Inglaterra o rei Henrique VIII defendeu a Igreja Romana até que esta lhe negou a anulação do casamento com Catarina de Aragão, incapaz de conceber um filho, o que abriu portas para o surgimento do anglicanismo. Nos países baixos, na Escandinávia, na Hungria, na Suíça e parte do leste europeu a reforma é consumada por movimentos populares, que se motivaram pelas traduções bíblicas e sua impressão tipográfica em seus próprios idiomas, ocasionando o surgimento do pietismo, anabatismo, puritanismo, metodismo, congregacionalismo, presbiterianismo, reformismo, petencostalismo, batista e adventista.
Paralelamente às reformas religiosas, revoluções no campo da ciência foram basilares às mudanças sociais, e o polonês Nicolau Copérnico foi responsável por mudar a visão do mundo ao transgredir o conceito geocêntrico para propor sua tese heliocêntrica, fundamentada na obra “Revoluções das Esferas Celestes” publicada em 1.543, ano de sua morte. Embora sua obra esteja dedicada ao papa Júlio III, constou da relação de livros proibidos da Igreja Católica, e da mesma forma foi criticado por Martinho Lutero que reprovou suas idéias com base bíblica argumentando que “foi o Sol e não a Terra que Josué mandou parar”.
Poucos astrônomos alcançaram o entendimento de Copérnico, um deles seria Galileu Galilei inicialmente elevado ao status de celebridade perante o papa e o alto clero. No entanto, no ano de 1.616 o Tribunal do Santo Ofício pronunciou-se sobre o heliocentrismo alegando ser heresia e todo pensamento que não conjugasse da Terra estática estaria fadado a inquisição.
Outra radiante luz da ciência foi o inglês Charles Darwin que no ano 1.859 lança o livro “A Origem das Espécies” abordando uma teoria evolucionista em confronto à teoria criacionista exposta no livro da Genesis. As Igrejas reagiram sectariamente, defendendo seus interesses de modo a não desacreditar a bíblia, mantendo posturas diferenciadas que vão desde a prudência ao ridículo. A Igreja Católica, acuada pela ciência paleontológica, geológica e biológica assumiu um discurso liberal comedido, acatando a teoria evolucionista como uma abordagem válida e compatível com o entendimento bíblico moderno. A corrente protestante que teve como pilar reformista o entendimento sola scriptura, insiste em hostilizar Darwin e o criacionismo com argumentos fósseis controversos como se quisesse elevar o nível do debate para dentro das igrejas e fora dos centros acadêmicos.
Logo após essa época a Itália que estava dividida em vários reinos vive seus dias de reunificação, agregando territórios a cada batalha até finalmente no ano de 1.870 incorporar a cidade de Roma, capital do Estado da Igreja Católica. Durante muitos anos a Cidade Eterna serviu ao novo país formado como Itália e à Igreja Católica que não aceitava sua dominação; somente em 1.929 Mussolini e o papa Pio XI encontraram um acordo que ficou conhecido como o Tratado de Latrão, em que a Igreja Católica reconheceu a Itália e Roma como sua capital em troca da criação de um enclave, o Estado do Vaticano, além de indenização pelas perdas territoriais decorrentes da anexação de regiões católicas no período de sua unificação.
Dentre os países onde o protestantismo não prosperou, Portugal mantinha vínculo estreito com a Igreja Católica, e o simples fato de possuir uma bíblia no idioma local poderia levar seu detentor aos tribunais da inquisição. Fugindo desse ambiente repressivo, o protestante convertido, João Ferreira de Almeida em suas missões pela Ásia traduz o exemplar bíblico para o português a ser distribuído nas colônias lusitanas. Mas devido a uma série de revezes, a primeira bíblia em língua portuguesa foi publicada em 1.751, in memoriam ao seu tradutor. No Brasil, a versão católica foi traduzida pelo Pe. Manoel de Matos Soares, e atualmente a tradução considerada oficial é a da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançada em 2001.
Após o presente relato histórico e crítico da Igreja e da bíblia é preciso trazer à cena o pensamento filosófico questionador da existência do Cristo, vigente no século passado pela falta de registros independentes, que corroborassem as passagens bíblicas, além de um irrelevante parágrafo citado pelo historiador romano Flávio Josefo. Poder-se-ia descrever como um frenesi a empolgação com que ateus fundamentaram a lacuna histórica para refutar as parábolas messiânicas. No entanto, o século passado foi magnânimo para a arqueologia, presenteada com grandes achados, como os Papiros de Oxirrinco em 1905, os manuscritos de Nag Hammadi em 1945, e os manuscritos do Mar Morto em 1947, contendo evangelhos apócrifos que corroboram a história messiânica e outros documentos que confirmam a legitimidade do Antigo Testamento ao texto massorético.
Embora coesos aos evangelhos canônicos, os evangelhos apócrifos preenchem lacunas inusitadas, como a adolescência do Messias, descritas no evangelho de Tomé (o filósofo, e não o apóstolo) que relata o menino soprando pássaros de barro e Lhes atribuindo vida, bem como um avassalador poder de morte e destruição, evidenciando Suas travessuras pueris, bem como o enorme poder com que Se entrega à crucificação.
Essas evidências conduzem a uma análise sociológica que nos leva a considerar o antagônico papel da igreja, aniquiladora das mentes reacionárias, mas agregadora de impérios conservadores, de um plano da natureza social que transcende a idade média e se vê marcada entre a aridez do deserto e os dias de glória de Salomão, para mergulhar nos cativeiros da Babilônia e novamente ressurgir como nação berço do Messias, que depois de reiteradas perseguições se estabelece como o novo Estado de Israel no ano de 1948.
Toda essa trama nos remete a uma comparação cautelosa, pelo fato de povos antigos, como os cananeus, os ferezeus, os amorreus, os caldeus, os cenezeus, os cadmoneus, os gergeseus, os jebuseus, os heteus, os arameus, os filisteus, os heveus, os horreus, os moabitas, os amonitas, edomitas, os temanitas, os madianitas, e outros tantos, terem sucumbido diante dos judeus que persistem a todas as guerras, dando-nos a presunção de um Senhor dos Exércitos, não para obter a salvação gratuita, mas para sobreviver ante a perseguição dos homens.
A igreja é precisamente formada de homens, não é santa, mas quer que assim a tornemos, pois o preço do cristianismo como religião acolhida pelo Império Romano foi o ingresso do mundo pagão e de suas barbáries para dentro de si, pois estranhamos que quase 5% dos papas eleitos tenham morrido no primeiro mês de seu pontificado. Tampouco se moldou pelos ditames das sagradas escrituras, ao contrário, foi Constantino e os bispos que moldaram a bíblia a partir do concílio de Nicéia; e a divergência alcança até mesmo seus números absolutos entre as variadas fontes, o que contesta a inspiração divina e demonstra sua própria confusão babélica. A ferrenha defesa de seus interesses, a luxúria e a obscenidade permitida leva a pensar que grande parte dos homens pode haver ingressado na carreira eclesiástica por profunda identidade aos preceitos messiânicos, mas com certeza outros homens o fizeram pelo status que almejavam, finalmente, uma parte espúria dos homens procurou esconder em suas batinas toda concupiscência de sua índole.