O homem sempre se submeteu a uma voz de comando, que teria ocorrido nas primeiras tribos onde prevaleceu a vontade do mais forte, depois se instituiu pelos clãs e em seguida evoluiu para o poder regente, herdado de reis para monarcas, para que mais tarde pudesse surgir o Estado como forma de governo exercida pelo coletivo.
Vemos o Estado moderno como centro de poder, organizador social sustentado pelo tributo direcionando esforços individuais para o desenvolvimento da coletividade, e assim se arrazoa, pois durante a ascensão da sociedade os fins justificavam os meios, mas depois da consciência e de tal entendimento, o anseio coletivo já não compactua com administrações coercitivas experimentadas no passado, demonstrando o custo da imposição ser maior que o benefício.
Agradecemos ao Estado o mundo urbano em que vivemos, com água nas torneiras, luz elétrica, saneamento e alimentos disponíveis, pois somos conscientes de quando éramos tribais e só tínhamos as mantas para atravessar o frio das madrugadas, de quando a água era apanhada pote a pote, a energia era catada em galhos de lenha e o acender do fogo era um ritual. Os excrementos eram largados no mato e a simples manutenção energética do próprio corpo já era suficiente para ocupar o dia inteiro.
No entanto, o que criamos para nos engrandecer não pode nos ferir mais do que nos eleve, a liberdade que tínhamos quando éramos soltos como os animais e donos do tempo, valeria mais do que tudo que se criou e que há por se criar. A onipotência presente na lei do mais forte e nas regências dos clãs não se transfere ao Estado democrático, e seu modus operandi fundamenta-se pelo poder que emana do coletivo, sendo que o Estado, a ciência e tudo mais existem para nos servir.
A opressão burocrática não é mais aceitável, a concepção é de que o Estado seja responsável pelos cidadãos, controlando a população por meio de indução democrática da vontade social, através de forças que centram o indivíduo num comportamento esperado, com posturas mais conservadoras, ou mais liberais, mas que o reflexo total esteja dentro do campo da previsibilidade. Essa visão dá ao Estado a função precípua de planejar, de interferir na vontade coletiva e pessoal imprimindo forças que de forma espontânea induzam o comportamento individual ao aproveitamento coletivo.
Mesmo em um cenário democrático as forças de natureza coercitiva são admissíveis para controlar, ou impedir as transgressões, pois o direito do infrator não pode sobrepor a dignidade do cidadão. O comportamento normal, ou legal, se faz induzido por forças de natureza pecuniária, ou pelas menções, valorizando a ação e destituindo a obrigação, de modo a não perder a impessoalidade e a liberdade de decisão. Porém, todo poder dado ao Estado além destas premissas, virará contra o próprio homem, até alcançar que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, façam em si a marca do Estado, de tal maneira que ninguém possa comprar ou vender, senão contiver sua marca na fronte ou na mão direita.
No mundo moderno, a mecânica capitalista deve assegurar a liberdade individual, e ao Estado cabe domar a fera capital, no sentido de administrar o bem público a contento de seu tempo, pois o poder que emana do povo em breve se fará valer pela tecnologia capaz de conectar toda nação a uma só voz, expurgando gradativamente a representação política por aquilo que se possa fazer diretamente, sendo alcançável pelas redes sociais capazes de acomodar a todos em uma mesma plenária.
Apesar de todo benefício alcançado pela organização política, se o impróprio é inerente ao seu ser, e se o mesmo benefício possa ser adquirido de forma mais racional, então é natural que esta míngue. Na organização do Estado, o líder de uma nação deveria governar diretamente os líderes de suas cidades desonerando-se de escalões redundantes. A eliminação dos estados provinciais é alcançável pela tecnologia que aproxima os centros de decisão, interligando-os de forma mais ágil a que se deu na época das colonizações e das Capitanias Hereditárias, permitindo um gerenciamento mais eficaz do tributo social, cuja incidência irregular penaliza a uns e deixa escapar a outros, gerando assim seu próprio entrave.
Pelo princípio social a tributação atingiria a propriedade, porque aquele que tem, paga pelo que tem, apenas porque tem. Pelo princípio da justiça a tributação atingiria o consumo, porque toda conquista demanda um investimento que provém da parte não consumida; a tributação ao consumo é o ônus imposto ao perdulário, que corrói o fluído vital do desenvolvimento. Aquele que ganha e guarda cumpre seu papel social e não deveria ser taxado de ganhar nem de guardar o fluído vital do progresso. O restante se resume em princípios de oportunidade do Estado para arrecadar.
No passado um Estado democrático fundado no reconhecimento do homem inviabilizaria a formação de centros de poder, mas uma reorganização tornará viável a educação preventiva em que maior parte da força policial fosse formada por monitores, capazes de detectar e corrigir indícios de perniciosidade, sendo a menor parte destinada a sua captura, como alternativa econômica do próprio Estado. O mundo viverá o apogeu democrático após o fim natural de todos os regimes totalitários ainda reinantes no planeta, e sobressaindo o bom senso econômico, o Estado tenderá ao anarquismo como modelo de menor custo ao poder de intervenção. Estas são evoluções organizacionais cuja tendência independente de qualquer utopia assim se mostra, sempre no sentido de favorecer o indivíduo, isso é o que é razoável pensar, entendendo assim o antagônico imediato. A evolução da mentalidade humana tende no sentido da razão, do aproveitamento cultural dos povos, tornando as sociedades menos competitivas e mais voltadas para uma integração.
Essa integração social está na unificação de valores e na equidade de oportunidades, mas o que vemos é um universo de necessitados cada vez maior, requerendo uma racionalização financeira do Estado e uma massificação do social no reconhecimento da prestatividade, repartindo o ônus com a sociedade, para assim alcançar todo o contingente. No rateio do custo social com o segmento privado, o Estado obtém a desoneração pelo dedutível que delega, transferindo a gestão de parte de seu corpo à própria sociedade, tomando o sentido de simples articulador.
O controle dos gastos passa também pela consciência de que se um Estado administra concessões não pode pagar pelo serviço a quem permite realizar mais do que lhe custe produzir. Em coerência à sua função social, o Estado cumprirá a democratização do capital pelo subsídio à pequena poupança familiar, transferindo recursos às células sociais formadoras de uma gordura econômica para fomento do setor produtivo, promovendo o efeito multiplicador da parcela injetada em relação ao consumo renunciado, ao mesmo tempo em que cumpre com menos ônus seu fim previdencial.
No caminho da confederalização, sob forças estagflacionárias, as nações unificarão as pesquisas científicas, nos estudos da matemática e da música, na razão direta de suas riquezas, padronizando seus deficits no sentido do social. O esforço coordenado dos governos não deveria voltar-se para mera criação de empregos, para não parecer que estamos cavando e tapando buraco apenas para fluidificar a economia. É mais viável criar um estado de ânimo na valorização das artes, dos esportes e da pesquisa, cujos investimentos têm origem de recursos no débito às gerações futuras; porque serão elas que melhor usufruirão, assim como usufruímos de um relativo conforto, pelo esforço de tudo que foi conquistado tecnologicamente.
A dívida pública não precisa ser efetivamente paga; são apenas créditos de reconhecimento lastreados na superprodução, em que as economias de escala alcançam um aprimoramento tecnológico crescente que permite satisfazer o consumo da população vivente, derrubando a visão inflacionária que limitava a fomentação do Estado ao desenvolvimento, pela formação de uma demanda sem lastro.
Toda corrupção deve ser punida para dar certeza de que todo mau feito resultará em sanção, não pelo valor que subtrai da sociedade, mas pelo exemplo que centra o homem num comportamento esperado. Não é o dinheiro subtraído na corrupção que atrasa a sociedade, mas sim o seu emprego como reserva de valor em paraísos fiscais e pelo consumo supérfluo que destrói o fluído dos investimentos a gerar nova riqueza. Se o fruto da corrupção se voltasse a projetos eficientemente produtivos nenhum mal se desencadearia, além da titularidade da propriedade de quem o trabalha, pois a sociedade como um todo lucraria com a maior oferta de bens advinda do investimento realizado com dinheiro público. Poderia mesmo afirmar que entre a opção do estado se envolver na atividade privada para produzir bens úteis a sociedade, e ladrões roubarem o dinheiro público para produzir esse mesmo bem de forma eficiente, a segunda alternativa nos é mais salutar.
Portanto, ao dinheiro mais importa sua destinação que sua procedência, e o desvio do dinheiro comum apenas atinge a titularidade de seu emprego, e se o resultado de sua reprodução for igualmente produtivo a sociedade ganha a boa administração do recurso desviado que a alimenta com os bens reciprocamente ofertados.
A justiça deve evoluir para considerar o dinheiro lícito mal empregado mais pernicioso que o dinheiro roubado eficientemente aplicado, é por essa razão que grandes nações financiaram grandes empresários e o seu sucesso resplandeceu em toda sociedade. Assim, devemos priorizar nossa atenção ao destino dos recursos vitais, seja este recurso lícito, ou não. Essa reflexão não alcança atingir os produtos de maior requinte, e uma taça de um vinho caro pode custar mais que uma cirurgia de catarata, porque a sociedade não se alimenta apenas pelo prazer de quem o bebe, mas pela tecnologia de produzir tão refinada bebida disponível ao conhecimento comum.
O dinheiro serviu apenas como instrumento de coordenação dos esforços individuais, são cédulas de decisão da preferência humana, que como um voto de aclamação distingue sua aceitação popular entre as mercadorias mais úteis e convenientes. Mas as riquezas físicas perderão seu valor, pois têm limitação em sua própria materialidade e já terá cumprido sua etapa de indução como elemento de poder; ao passo que o conhecimento caracteriza-se pela ilimitação de sua extensão, com amplitude que agracia a todos.
As marcas da evolução moderna podem ser mensuradas pelo crescimento da expectativa do tempo de vida, ou pelos recordes olímpicos em que o próprio homem se supera. As ciências estão se interligando gerando uma compreensão mais elevada, de tal maneira que em pouco mais de dois séculos os humanos alcançarão duzentos anos de vida, realizando mais uma marca de evolução na qual percebemos que o verdadeiro patrimônio da humanidade é o conhecimento.
Não devemos inibir a pesquisa e o conhecimento em nome da ética, pois que nossa história não é imaculada, e homens santos comeram do pão sagrado quando tiveram fome; além do que, nenhuma religião deve se suicidar ao entregar a outra a possibilidade de um domínio tecnológico e consequentemente econômico. A capacidade de inovar será determinante na depuração das raças e das ideologias, mas seja qual for o título, ou nome que derem ao regime de uma sociedade, sua sobrevivência esteve e estará atrelada aos avanços tecnológicos.
Enquanto o capitalismo regeu sob a ótica do lucro e assim pôde acumular recursos para novos investimentos, o socialismo regeu pelo planejamento geral, direcionando recursos às prioridades sociais. Num quem gerencia é o empresário sob o princípio de propriedade e hereditariedade, noutro, é o burocrata que administra numa grande retenção de poder pela própria insegurança da não propriedade que sufoca a mecânica da sociedade. Não compreende que toda manifestação deve ser pacífica e livre, livre para que seja pacífica e pacífica para que seja livre. Foi essa liberdade de inovar, essa permissão de lucrar, que permitiu a depuração do melhor e que custou caro ao modelo opressor, que perdeu mobilidade, atrasando-se como potência de mercado.
Às fardas cabem as garantias constitucionais, e aos jovens tenentes a maior força do mundo. A classe política existirá porquanto se puder aperfeiçoar a democracia, e os artistas existirão por toda a vida, porque é nato da natureza humana em sua vontade de criar. Os ricos existirão porque cabe a eles cuidar da riqueza para que se reproduza como animais; são fazendeiros de dinheiro que têm a função de multiplicá-lo para financiar a odisséia humana. Terão o castigo da decadência por não saberem guardar o que lhes fora confiado e embora nenhum homem devesse deixar de provar o melhor vinho, cabe a poucos tomá-lo por inteiro.
A sociedade se desenvolve formando classes e agentes para atender às necessidades modernas, assim como um organismo que reage biologicamente a cada situação; o vírus que nos assola é o secretismo, carecendo de células de transparência para evitar a sangria. Nessa analogia, o desenvolvimento social conta com tecnologia virtual para garantir o registro e a memória de tudo que fora feito, bem como agentes de imprensa que devem emergir ao grau de autoridade, ganhando mobilidade para cumprir sua função. O que é secreto tem razão de se esconder e o sigilo é a confissão do crime; o descrédito está na safadeza que existe pela impunidade. A punição surge da verdade e da vontade, pois se não há verdade será castigo e se não há vontade será acidente; a vontade surge naturalmente e a verdade surge da transparência virtual, que faz visível o mundo econômico.
Transparência também é necessária ao sistema eleitoral eletrônico que produz o resultado ao fim do dia, sob o mando de uma constituição que resguarda o sigilo do voto. Da apuração só se conhece o total de votos e das partes apenas a soma de cada urna, e assim se concebe um antagonismo de valores, pois celeridade e sigilo são incompatíveis, e há de se escolher a um e preterir ao outro.
Nunca esqueçamos que a luz desencadeada pela revolução francesa não conseguiu acender plenamente os princípios de liberdade, de igualdade e nem de fraternidade em nenhum lugar da Terra; porque a liberdade individual é ferida pela burocracia estatal; a desigualdade noticiosa é o alimento da imprensa que dá seu próprio testemunho; e pelo princípio da fraternidade as riquezas se acumulariam depois que todas as bocas fossem acalmadas. No combate a desigualdade, o incentivo ao turismo é uma possibilidade para atenuar a diferença econômica, pelo dinheiro gasto das pessoas ricas nas nações pobres, pois embora as nações ricas sejam preferencialmente visitadas, seu número limitado logo cederá vez. Este papel cabe às instituições internacionais acordarem a inserção de pontuação nos concursos públicos em relação aos continentes visitados, além de valorizar a integração dos povos.
Uma ideologia pode se reeducar pela satisfação da evolução alheia, no sentido de que se o próximo prospera contribui para a riqueza da humanidade, sendo menos um com quem se preocupar. Nessa mentalidade, torna-se viável cogitar uma era em que o crime a sociedade coíbe, a inconveniência a nova cultura tolera, o egoísmo a tecnologia de abundância é capaz de saciar, só resta a vaidade, como único mal capaz de nos destruir.