CAPÍTULO 4 - A Democracia e os Desequilíbrios Sociais

A conclusão das obras de infraestrutura e o controle populacional consolidariam a democracia iniciada ainda latente na Revolução Francesa, quando os explorados subverteram a ordem dos modelos opressores e o pensamento pelo ideal democrático contaminou o planeta dia a dia, mente a mente, que com o decorrer dos séculos resultou no Estado Republicano e na visão que hoje desfrutamos.

A cada conquista a democracia cresce e embora por vezes retroaja momentaneamente em razão do apego e da excentricidade de alguns governantes, ela continua a crescer, paulatinamente, pois a mentalidade humana tende nesse sentido. Desde a desarticulação dos impérios, a abolição da escravatura, as sucessivas reduções da jornada de trabalho, passando pela derrubada pacífica do comunismo e do grande muro, todos esses eventos são marcas de nossa evolução democrática.

Do futuro, cada qual pode sonhar com o que melhor lhe pareça e tudo parece acontecer como forças num tabuleiro, que direcionadas empurram a humanidade para uma nova era. Primeiro formou-se o planeta para então florescer a vida e o homem nasceu como animal, depois teve inteligência para perceber a si mesmo e estratificar as sociedades, agora se aproxima do início de uma nova fase de nossa história, em que deixamos de ser indivíduos para ser corpo, pois a espécie como organismo tende a evoluir estrategicamente, se recompondo num novo modelo social.

Esse tempo é para os netos dos netos de nossos netos, por ora, cabe a nós construir cada um o seu próprio tijolo sobre o qual edificaremos nossa sociedade. Não necessitamos de planos mirabolantes, a mão invisível do mercado naturalmente nos encaminhará nesta direção, pois atingimos os alicerces mais altos porque os filhos foram mais que os pais; foi pelo prevalecimento médio desse conceito que chegamos ao século XXI e que continuaremos a evoluir. Antes, porém, devemos passar pela transição das fases, visto que a limitação territorial do planeta impõe equivalente limitação na formação de novos investimentos, gerando um momento estanque segundo o modelo capitalista, que em tempo algum jamais se deparara com variável tão específica, que fere a própria reprodução do capital.

A grande depressão de 1929, tida como a mais severa das crises capitalista, não levou mais que duas décadas para dissolver seus efeitos negativos, pois o plano New Deal de recuperação e o esforço de uma guerra distante trouxeram novamente os anos dourados à economia norte-americana. Outros declínios econômicos necessitaram de um tempo de recuperação proporcionais a sua repercussão e sempre tiveram a intervenção do Estado como fomentador da demanda por bens e serviços. Nesse sentido, muitas das grandes obras estruturais tiveram sua aprovação orçamentária em momentos de instabilidade pelo fundamento de trazer liquidez imediata aos mercados, com um adicional usufruto de sua obra.

Todos os desequilíbrios econômicos são marcados pelo desajuste das forças de mercado saindo de um ápice de euforia para um vale de depressão, em que tudo estava harmonizado quando de repente uma variável não considerada altera seu equilíbrio. A cada crise parece inevitável que os governos debilitem as nações tornando-as mais engessadas para lidar com o futuro, pois o modelo capitalista sempre buscou a expansão da base monetária como saída de seus novelos, acreditando no crescimento futuro da produção de riquezas.

Rumamos para um futuro de famílias e nações endividadas sob a justificativa de um produto interno crescente, mas a perspectiva de um esgotamento territorial do planeta impõe equivalente esgotamento às ações expansionistas. Nesse panorama alguma instabilidade inusitada de proporções inimagináveis ocorrerá, misturando estagnação e inflação em um único problema. Os receituários preconcebidos se mostrarão ineficientes e a recessão se alastrará por todas as sociedades do planeta. Novamente o tempo de recuperação será proporcional a sua repercussão e esta última será a maior e mais duradoura crise, trazendo nefastos efeitos sociais que poderão perdurar até que uma ação global se materialize.

As grandes economias terão esgotado sua capacidade de renovação do crédito fomentador e a ciranda financeira romperá o ciclo virtuoso, fazendo-se necessário criar uma nova forma de alimentação do circuito econômico. Os recursos governamentais se mostrarão exauridos pelo déficit alcançado na tentativa de adiar o iminente colapso e os recursos particulares possuem vínculo à propriedade individual dos poupadores sem nenhuma disposição de arcar tal custeio social. Se nada for feito a economia mundial se estagnará por décadas e nesse caos será necessária a criação de um fundo de commodities não deterioráveis, como forma de atrair a última reserva de recursos, os privados, acolhidos pelo lastro real dos insumos físicos estocados. Em meio a depressão generalizada este fundo será a primeira forma de gerar alguma atividade econômica pela estocagem de matéria prima que atenderá as gerações futuras, isentas do trabalho árduo das minas e jazidas, bem como da construção de toda infraestrutura básica às necessidades humanas.

Esta é a grande poça que teremos que saltar sem nos molharmos pelo sangue das guerras, e o segundo grande passo desta última etapa passa pela padronização dos déficits de todas as nações como forma de criar uma demanda social às pesquisas científicas. Uma super procura pelo conhecimento que recrutará o contingente populacional excedente, e após esta fase teremos aprendido os conceitos necessários a alcançar o novo tempo de harmonia e de dignidade de todos os humanos.

Por hora, sabemos que o crescimento econômico requer abundância de insumos, de capital, inclusive mão de obra, por isso mantém um desajuste com o crescimento populacional, e tal defasagem é agravada pelo avanço tecnológico que de início prescinde o trabalho humano em um ambiente de opções restritas, tratando-se não apenas de mais um ciclo de crise na história econômica, mas da conjunção com o limite renovável da produção de insumos da Terra.

Novas máquinas surgirão crescendo a demanda por energia que ainda se abastecerão do óleo e da pedra fóssil inundando a atmosfera de carbono, mas o abastecimento energético também se valerá de novas fontes limpas que ganhará viabilidade como medida paliativa de poluições localizadas. Sendo o fornecimento de energia o maior desafio do futuro, a elevação de seu custo traz a carestia, mas também a alegria de viabilizar a pesquisa e o domínio da fusão nuclear, como alternativa abundante e eficaz para os próximos mil anos, semeando usinas de sol por todo o planeta. Na construção de uma máquina capaz de absorver controladamente toda energia liberada pela fusão do hidrogênio, considerem que se um barril de pólvora se queimar por inteiro o estrondo será ouvido em todo vale, porém, se toda pólvora for espalhada em rastilho ela se queimará gradualmente e nenhuma dano causará.

Além dos desajustes internos de nossa economia enfrentaremos paralelamente as ameaças externas, derivadas de catástrofes ambientais oriundas do espaço sideral a nossa volta. Isolada, ou conjuntamente estas preocupações residem na produção de alimentos e o capital deve crescer até que as nações o possuam em grandeza ao estoque de grãos de toda Terra, nesse momento perceberão a fragilidade de suas moedas pela disputa na aquisição da produção agrícola. Também a seca deverá gerar preocupação momentânea, até que se dissemine a dessalinização da água marítima e sua distribuição aos campos áridos e estéreis, de onde emanarão leite e mel.

Alcançaremos o entendimento sobre a periodicidade dos cataclismos que assolaram nosso mundo, indicando que brevemente os humanos sofrerão reveses, e mesmo que não seja breve, são estatisticamente inevitáveis. A ante Genesis de fato ocorrerá, longe das previsões escatológicas que sempre chamou a atenção dos incautos pelo assombro que desperta, mas apenas por considerar a ocorrência de fenômenos cíclicos cujos indícios estão amostra na natureza.

Trata-se de notar as crateras fundadas pelo impacto de asteróides na superfície dos diversos planetas, ou de observar a inversão de polaridade geomagnética cravada nas rochas hemáticas, ou de cogitar alinhamentos planetários que somam força gravitacional a provocar desequilíbrio na acomodação tectônica, ou ainda, de considerar a probabilidade de formação genética de uma bactéria, ou vírus assolador.

A qualquer dessas ocorrências sua previsão é incerta, mas de início consideremos o histórico terrestre das tempestades magnéticas solares, capazes de desarticular toda a produção e distribuição de bens através de um colapso nas transmissões elétricas. Tal catástrofe acarretaria a queima de cabos e transformadores, provocando o desabastecimento de água pela inanição das bombas, acompanhada da falta de combustíveis e de alimentos; as filas se tornarão uma rotina pela infraestrutura esfacelada diante de uma demanda resiliente, e a fome, o caos e as doenças se estabelecerão.

Desarmado de qualquer vidência, tal previsão possui fundamento no desprendimento coronal solar ocorrido no ano de 1859, efeito Carrington, que atingiu frontalmente o hemisfério norte queimando os artefatos elétricos da época, ou seja, torrando os cabos de cobre utilizados na transmissão dos telégrafos. A esta hipótese some-se a anomalia percebida no Atlântico Sul, onde uma área de um milhão de quilômetros quadrados registra uma menor proteção do campo magnético natural terrestre. Os cientistas ainda estudam o evento e mesmo que cheguem a um preciso diagnóstico não serão capazes de impedir qualquer fenômeno natural em processo de formação, e sua atuação se limitará a acautelamentos de modo a minimizar seus danos.

Os terremotos também tem se mostrado ameaçadores neste novo século, pois a atual frequência de ocorrência dos de maior magnitude é sete vezes maior que a média alcançada no século XX, que por sua vez apresenta o dobro de registros ao do século XIX. É uma mudança abrupta e crescente na instabilidade da crosta terrestre, que compromete a subsistência da raça humana. As regiões da Groelândia, Brasil e norte da África, estão assentadas sob placas mais estáveis e suas experiências impuseram uma tradição mais frágil às suas edificações, além de que os terremotos com epicentro no leito dos oceanos apesar de estarem deslocados das regiões habitadas, desencadearão tsunamis com ondas avassaladoras nas costas litorâneas.

Os alinhamentos interplanetários são cíclicos e previsíveis, porém, incalculável é sua interferência gravitacional sobre as rotas dos asteroides que nos rodeiam, abrindo possibilidade ínfima, mas sempre real, para sua captura a partir da imaginária nuvem de Oort. Ainda que não se considere um impacto frontal, sua passagem pela proximidade da órbita terrestre poderia provocar o arrasto da água oceânica, pois se imaginássemos a Terra como uma bola de futebol toda a água marítima corresponderia a uma pequena colher de chá, ou exatamente 7 mililitros. Na verdade, a imensidão oceânica é um engano, já que nosso planeta com um raio de 6.371 km tem a maior cavidade marítima na fossa Marianas de apenas 11 km, e toda água marítima pode ser representada por uma lâmina oceânica média de 3,6km, equivalente a meio milésimo do raio terrestre.

Mas nossa maior preocupação não vem das forças da natureza, está em nós mesmos, onde os fortes afrontam os fracos e os canhões não temem as fundas por acreditarem que sua blindagem os protegerá. A difusão da energia nuclear faz crescer a possibilidade de falha na segurança, no extravio de material atômico enriquecido para facções que tentarão se estabelecer pela imposição de ameaça bélica. Mas isso será apenas o despiste, porque com uma capacidade empreendedora muito menor, o avanço da ciência biológica possibilita um enorme poder letal concentrado na psicose de um único indivíduo. Essa versão já seria suficiente para que as grandes nações se direcionem para o equilíbrio social, porque tal condição traz para si a visão de alvo.

Se um ataque biológico ocorrer, lembremos que a miscigenação do novo mundo implicou em uma grande dizimação dos nativos devido ao contágio viral trazido do outro lado do oceano, favorecendo uma depuração da capacidade imunológica, que no decorrer das gerações personificou no caboclo e no cafuzo a maior possibilidade de sobrevivência às novas epidemias. A eminência de um cenário global de risco deveria aterrorizar até os mais distantes, pois a desordem e o terrorismo se debelarão para alardear as desigualdades.

O desenvolvimento tecnológico ao mesmo tempo em que alivia o homem do trabalho repetitivo impõe-lhe um período de transição que dispensa sua utilidade e o aliena da participação do mercado geral. Tal condição desencadeia um estado de aceitação de risco, de conivência delituosa que transforma a população marginal em um exército de soldo barato, servindo às mais variadas ideologias presentes nos conflitos humanos. Lembremos que numa região farta de homens e de ócio, água é como álcool e filosofia é como fogo, e ao lançar a planta nesta terra, observa que existe a terra, existe a semente, mas ainda falta um ingrediente para o broto germinar, assim como existe o homem, existe o conhecimento, mas falta uma vontade de lhes ensinar.

Povos minoritários tentarão como Davi vencer o gigante e a força bélica capaz de abater cidades por explosão, ou contaminação, coloca a todos indefesos, porque não podem superar a surpresa. Primeiro veio seu inimigo maior que sem nenhum óbito, secretamente, inseriu na prensa de sua moeda de meio dólar, ao pé do pescoço de Kennedy, minúscula insígnia da foice e do martelo, bastando coagir o desenhista que assina pela arte de sua cunhagem a criar entrelaçadamente uma letra reta que simule o martelo e uma letra curva que simule a foice. Depois, veio o segundo inimigo, facção de uma nação menor que a primeira, explícito ao mundo, num lance duplo de xadrez abateu as duas torres levando a óbito milhares de pessoas, alertando que um terceiro, regressivamente menor que os dois primeiros, desfechará golpe em progressiva proporção.

A ignorância debelará o terrorismo que transformará o mundo num caos se não alcançarem um combate eficiente em seu nascedouro. Escolas devem ser criadas urgentemente para diminuir a ignorância que arregimenta heróis da crueldade, este é o custo social que haveremos de arcar com sangue e dinheiro, pois o inimigo usufrui do paradigma dos buracos de areia, de que quando mais se retira maior ele fica.

É preciso reconhecer que o homem já não pode mais lutar como antigamente, quando os reinos se mantinham isolados pela própria separação física, pois o fluxo de migração dos povos já teceu o mundo e se espalhou pelos continentes, e o pensamento mais fanático é impor um custo em segurança maior que o custo de um abrandamento das relações internacionais. Mas as grandes nações ainda não percebem que a possibilidade de ataque é maior que sua própria capacidade de vigilância, que não se limita aos portos e aeroportos, mas se estende por toda área polar, norte e sul, cujo descongelamento inundaria todas as cidades costeiras.

A história nos mostra que toda usurpação é cobrada no futuro. A China cobrou a guerra do Ópio, os indianos tomaram Londres e as colônias africanas invadiram a Europa para reaver a riqueza explorada. Estes fatos inviabilizam os decaídos confrontos armados, mostrando não haver vencedores no longo prazo, havendo de se optar não pela maior possibilidade de ganho, mas pela sensatez da menor perda.

Embora tudo se resuma ao conhecimento, ao mesmo tempo em que dispomos de tanta tecnologia para criar satélites e formar redes que globalizam pessoas, insensibilizando-as para as antigas guerras de preceitos patrióticos pela incoerência de declarar ódio de morte com quem se comunicam ou reverenciam, existe paralelamente uma ignorância maior, reflexo de um mundo real regido pelos interesses de minorias, que detêm o poder e controlam multidões.

Aproveitam da rudeza de pensamentos para aliciar exércitos ideológicos, porque a ignorância obtusa o raciocínio, deturpa as prioridades, renega o direito de cidadania e faz viver como um doido dopado, alheio a tudo sem ferramentas para perceber seu momento atual e suas perspectivas futuras; faz do homem um animal, uma máquina executora capaz de destruir outra máquina, como se máquina fora.

A reversão do quadro vegetativo reside na migalhação da educação; palavra a palavra que eduque, dará uma nova consciência de que o homem pode ser formado a se sentir aceito e a aceitar o mundo. Nesse sentido, ele fluidifica sabedoria com a sociedade incrementando seu desenvolvimento e à medida que as necessidades de satisfação das etapas forem compreendidas e supridas, darão sanidade psíquica e emocional à nova geração.

Na verdade é uma luta contra o tempo para que a democracia se estabeleça plenamente como regimento da legítima vontade coletiva, contrapondo-se aos interesses de poucos, para não sermos manipulados pelas instituições que criamos e que nos fragilizam enormemente, como criaturas impotentes aos absurdos que se prestam sob o cognome de pátria.

Os exércitos continuarão existindo, pois é a força estabelecida de cada nação fazendo-se necessário como instrumento de soberania do Estado até que todos sejam como anjos, e não se precise da força. As guerras durarão até que o conselho da Terra detenha poder militar superior que a mais poderosa das nações, mas por hora, assistimos pasmos e inertes ao embrião dessa idéia sem alimentar a democracia, que se plena, visa ao real interesse do povo que rege.

A manipulação da ignorância impede de nos rebelarmos, pois isolados seríamos esmagados pelo sistema que nos conduz segundo as opções que ele próprio nos apresenta, e até distorcendo a representação da vontade coletiva quando decidem pela violência. A marca democrática passa pelo estabelecimento de uma nova mentalidade que garanta o exercício transparente das instituições e a cobrança do bem social, cujas evoluções são tão palpáveis quanto às cruzadas que já atravessamos. Todas as nações enfrentarão a intolerância de sua ineficiência governamental, e os jovens reacionários apenas fazem por cumprir seu papel de forçar o Estado e os governantes a uma ação mais racional e menos comodista.

O mundo se apresenta como se um dia representasse uma pedra no castelo; a cada dia que passa eu vejo o castelo se erguer, cujos alicerces devem estar rijos e fortalecidos pela democracia, pela certeza de que cada ato público representa o desejo predominante da sociedade, pois se a sociedade que espelha o homem como um todo for ruim, ruim também será seu próprio destino. Da mesma forma, se a predominância do sentimento humano for bom, igualmente bom serão seus frutos; de modo que pela democracia, cabe ao homem o próprio futuro que lhe é merecido, ao passo que sob a regência de instituições fracas e obscuras, sofrerão toda malignidade humana, que é tão própria e sabida.